segunda-feira, 27 de julho de 2020

TUBERCULOSE E COVID-19: a busca da cura


Por Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg (*)
Segundo Stefan Cunha Ujvari, os agentes infecciosos já circulavam no animal ancestral comum que deu origem ao Homo sapiens e ao chimpanzé. Portanto, as doenças causadas por vírus, bactérias e parasitos acompanham a nossa espécie desde que surgimos, há 200 mil anos, na África Oriental. Adquirimos outros microrganismos, enquanto caçadores e coletores, e outros mais quando descobrimos a agricultura e domesticamos os animais. Os microrganismos se espalharam pelo globo nas migrações dos humanos. Hoje, sabemos como eles surgiram e o percurso que fizeram na carona dos sapiens, através do estudo do DNA e RNA.
A tuberculose (tísica) já acometia ancestrais humanos antes do nosso surgimento. Descobertas em Djibouti, um pequeno país da África Oriental, revelam que formas de bactérias que causam a tuberculose foram precursoras da atual Mycobacterium tuberculosis. Era senso comum que o M. bovis, presente no gado, havia infectado os humanos com a domesticação desses animais. Hoje, essa teoria caiu por terra com a descoberta das bactérias de Djibouti, e com trabalhos que comparam a sequência genética das micobactérias, colocando o M. bovis como umas das últimas a evoluir.
A tuberculose, diferentemente da Covid-19, é doença milenar. Sua origem se perde nas noites do tempo, como dizia Rosemberg. Cientistas encontraram em múmias egípcias o DNA do bacilo da tuberculose. Conhecida como tísica, ela já atingia os egípcios desde a unificação do Alto e Baixo Egito.
Referências históricas mostram que, há três mil anos, havia tentativas de tratamento para a tuberculose, nas civilizações hindu e persa. Hipócrates, Galeno e as escolas de Cós e Cnide, na Grécia; de Alexandria, no Egito; de Salerno, na Itália e Montpellier, na França, preconizavam o repouso e a alimentação para curar a tísica. Até a primeira metade do século XX, esse tipo de tratamento, com o nome de higienodietético, foi fartamente utilizado.
Avicena e Averoes tratavam os tísicos com rosas vermelhas moídas e espalhadas no quarto. Outra receita era forrar o chão com pétalas de rosas vermelhas e ramos de plantas aromáticas, sobre os quais o tísico deveria passear o maior tempo possível. Galeno propôs aos tuberculosos viverem em quarto subterrâneo, de temperatura amena, sendo o assoalho coberto de rosas. (Rosemberg, 1999).
A hemoptise, sintoma mais dramático da tuberculose, era tratada com infusões de: repolho, pó de casca de caranguejo, pulmão de raposa, fígado de lobo em vinho tinto, entre outras bizarrices. Avicena (c.980-1037) receitava infusão de rosas vermelhas em mel, por via traqueal. Erasistro e Europhilus receitavam, para as grandes hemoptises, garrotes nos braços e coxas. (Rosemberg, 1999).
O leite foi preconizado durante quase três mil anos. Desde as civilizações antigas, hindu e persa, até o século XIX, o leite preferido foi o de jumenta, mas também o leite de cabra, de fêmea de elefante e de camelo eram usados. Para Avicena, os homens tísicos deveriam tomar leite de mulher jovem e bela.  Na renascença, Petrus Forestus preconizava leite fresco de mulher. O ideal era ser sugado diretamente da mama de uma jovem lactante. Não havia nada mais erótico e romântico. Na mesma época, indicava-se temporadas em Veneza, com passeios diários de gôndola ao som de canções eróticas.
Para dispneia e tosse crônica, há receitas persas recomendando comer crocodilo cozido. Por volta de 75 d.C., Dioscórides receitava resina de múmias egípcias com mel. Esse tratamento, que foi empregado por séculos, era caríssimo e só pacientes muito ricos tinham acesso. Os reis da França Luís XIII e Luís XV, tuberculosos, foram assim tratados.
Do "septeto da panaceia", sangria, purgativos, ventosas, vesicatórios, eméticos, sanguessugas e clisteres, indicados para todos os males, somente o sétimo não fez parte do tratamento usado na tuberculose. A sangria, preconizada por Galeno, foi fartamente praticada até o final do século XIX.
Bayle e Sydenham recomendavam alterar o repouso com cavalgadas. Louis XIII foi submetido ao tratamento em voga. O filho de Napoleão Bonaparte, L’Aiglon, foi consumido pelo bacilo de Koch, aos 21 anos, no Palácio de Schönbrun, em Viena-Áustria. Ele era obrigado a montar a cavalo por horas e, depois, tomar banho em emulsão de tripas de porco. A favorita de Luís XV, a famosa marquesa de Pompadour, imortalizada em uma magnífica tela de Natier, que pode ser apreciada no museu do Louvre-Paris, era tuberculosa. Tratou-se com sangrias, exercícios violentos e leite de jumenta.
Em meados do Século XIX, receitava-se para tuberculose opiáceos, ferruginosos, creosoto, pomada de iodeto de potássio nas axilas, exercícios, sanguessugas, sangrias, bálsamo de Peru e musgo da Islândia. A Dama das Camélias e Chopin foram submetidos aos tratamentos descritos acima. Surgiu também, no século XIX, a mística do ar das montanhas. Sanatórios foram criados em toda Europa, EUA e no Brasil, entre outros países. Um dos mais famosos foi o Sanatório de Davos, na Suíça, imortalizado no livro “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. No Brasil, os Sanatórios de Campos do Jordão-SP foram enaltecidos no livro de Dinah Silveira de Queiroz, “Floradas na Serra”.
Todos esses tratamentos eram inócuos. Muitos bárbaros e nocivos, mas nenhum causou a mortandade que causou, por ironia, a tuberculina (cultura do bacilo da tuberculose), de Robert Koch, o descobridor do agente causal da doença. Em 1891, Koch publicou o artigo "Sobre um remédio para a cura da tuberculose". A notícia de um medicamento milagroso espalhou-se por toda a Europa e EUA com uma rapidez estonteante. O preço foi para as alturas. Cobrava-se mil dólares por centímetro cúbico do novo medicamento. Logo percebeu-se que a tuberculina causava agravamento das lesões e mortes. Koch foi massacrado. Desculpou-se dizendo que havia sofrido pressão do governo alemão para anunciar suas pesquisas. Em 1882, Carlo Forlanini, italiano, criou a colapsoterapia (pneumotórax). Foi o primeiro tratamento racional até a descoberta da moderna quimioterapia, na década de 1940.
A Covid-19, com apenas sete meses de vida, já coleciona uma lista de medicamentos. Até que surja um tratamento comprovado cientificamente, muitas pessoas usarão, em vão, fármacos antimaláricos e ou vermífugos sem comprovada eficácia, na busca insana de curar essa nova doença que assola a humanidade.
Fortaleza, 18 de julho de 2020
(*) Médica e historiadora. Da Sobrames Ceará e da Academia Cearense de Medicina
* Publicado In: Jornal do médico digital, 1(3): 56-9, julho de 2020. (Revista Médica Independente do Ceará).
Postado no Blog Ana Margarida-Memórias em 26/7/2020.

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