Por Heitor
Férrer (*)
Quando menino, lembro-me das conversas
entre parentes na tentativa de conseguir uma representação comercial. Ser
representante comercial era sinal de prestígio e era uma maneira de ganhar
dinheiro, melhorar a renda e, quem sabe, até "ficar rico". Por
outro lado, as empresas, quanto mais representantes comerciais tivessem mais
elas se consolidavam no mercado, mais elas prosperavam. Era uma relação de
troca mútua: a empresa se expandia e lucrava com a força de trabalho local,
enquanto o representante comercial também. Ambos prosperavam, uma mão lavava a
outra.
Adulto, passei a ouvir outro tipo de
representação: a representação popular. Nessa lógica, os representantes do povo
- vereadores, deputados estaduais e deputados federais - seriam os responsáveis
por lutar pelos interesses dos seus representados.
Assim como nas representações comerciais,
quanto mais representantes, mais força teria o representado. Quanto mais
deputados uma região tivesse, mais voz e poder de decisão ela teria nas casas
legislativas. Logo, o povo deveria desejar e valorizar esse aumento de
representantes, pois seriam eles os instrumentos para o atendimento de suas
demandas e promover o bem-estar coletivo.
Eis que surge o paradoxo. A Câmara dos
Deputados e o Senado aprovaram o aumento do número de deputados federais de 513
para 531, acarretando aumento de deputados estaduais também. E qual sido a
reação popular? Refuta, não quer, não aceita! O povo, paradoxalmente, não quer
que aumente o número de seus representantes. Como pode?
Como entender que uma sociedade que precisa
de soluções, que exige serviços públicos de qualidade, que clama por melhorias
em saúde, educação e segurança, se oponha a ter mais representantes para
defender seus interesses?
A resposta é dura, mas simples: essas
representações não representam: O povo não se sente representado. Não sente
suas demandas serem atendidas, suas dores serem sanadas. Ter mais deputados,
para muitos, não é solução, é problema, é mais gastos sem retorno. E para
consolidar ainda mais essa rejeição, junto a esse aumento de deputados
federais, não aprovaram a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco
mil reais e rejeitaram o aumento de IOF, que atingiria apenas o andar superior
da elite econômica do país.
É bom lembrar que o problema não está na
democracia, mas na qualidade da nossa representação. E quem escolhe esses
representantes? O próprio povo.
Portanto, enquanto o cidadão não
compreender o valor e o peso do voto, continuaremos nesse ciclo vicioso.
Aumentar o número de cadeiras não fará diferença se elas continuarem ocupadas
por quem não tem compromisso com os representados. E assim seguirá o paradoxo
de querermos soluções e rejeitarmos os solucionadores.
(*) Médico
e deputado estadual (Solidariedade).
Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/06/2025. Opinião. p.17.
Nenhum comentário:
Postar um comentário