quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A MORTE DO DONO

O Ambulatório Geral de Pediatria do HIAS, naquela manhã de segunda-feira, estava lotado de pacientes, que, em parte, se acumulavam pelos corredores, em função da coincidência de datas com a realização de um grande congresso nacional de Pediatria em Fortaleza, motivando a liberação do trabalho, de dois dos pediatras escalados para o atendimento.
Em vista disso, os três colegas, a postos no serviço, desdobravam-se para dar conta dos pacientes agendados daquela manhã, uma vez que muitas mães rechaçaram qualquer tentativa de remanejamento de consultas para outra data próxima.
Dra. Fátima Gurgel, ciente e antevendo o problema, chegara até um pouco mais cedo ao Ambulatório, para iniciar os atendimentos. Por volta das 10h30, ela já estava na vigésima consulta, quando a Joaninha, a atendente dos consultórios, veio alertá-la de que Dona Gislena, a mãe da próxima criança a ser atendida, estava muito revoltada e fizera um escarcéu na sala de espera, com ameaça de denunciar o HIAS, no programa radiofônico do Paulo Oliveira.
Logo que a mãe e o menino ingressam no consultório, a Dra. Fátima Gurgel dirige-se à mãe nos seguintes termos:
– Bom dia, D. Gislena! Está tudo bem com a senhora e o seu filho?
– Bom dia, coisa alguma, doutora. – repeliu asperamente D. Gislena.
– Estou penando aqui desde sete horas e perdi o meu dia de faxina. Quem é que vai pagar o meu prejuízo? Um dia perdido de serviço, é dinheiro que vai fazer falta pras compras lá de casa.
– Lamento, senhora. Mas minhas duas colegas estão liberadas, nesta semana, para participar de um congresso. Essa é uma atividade importante para que os médicos fiquem mais atualizados e possam prestar um melhor atendimento aos nossos pacientes.
– Isso é lorota! Elas devem estar é zanzando por aí, passeando ou fazendo compras nas boutiques das madames. Foi só o dono daqui morrer, ganhar um paletó de madeira, que esse hospital degringolou e essas médicas se aproveitaram da situação pra fazer corpo mole.
– E quem era o dono desse hospital, D. Gislena?
– Era esse tal de “Alberto Seibe”, o que “bateu a cachuleta” na semana passada, o dono deste troço aqui – completou D. Gislena.Dra. Fátima Gurgel percebeu, então, que o diálogo com a interlocutora materna não deveria prosperar e concentrou a sua atenção nas necessidades mais visíveis e imediatas da criança.

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