sábado, 14 de março de 2009

O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR EM MINHA VIDA


Na encantadora noite de 06 de janeiro de 2009, um Dia de Reis, o Theatro José de Alencar, majestosamente decorado em branco e verde esmeralda, com uma infinidade de arranjos florais, espalhados em sua estrutura marcial quase centenária, fundida na Inglaterra, engalanou-se para acolher os primeiros formandos do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará-UECE.
Os concludentes eram, na verdade, os astros e as estrelas principais da festa; muito embora, como coordenador do curso e patrono da Turma Prima, tenha sido eu guindado à posição de ator coadjuvante a figurar no palco, integrando à mesa dirigente da solenidade, e terminando por exercer uma função de destaque, pela própria condição de orador docente.
É correto dizer que pronunciei um longo discurso, não à moda do Fidel, posto que a sua leitura durou pouco menos de meia hora. No entanto, é forçoso reconhecer que os comentários gerais da platéia, dentre os que aportaram aos meus ouvidos, foram sobejamente elogiosos quanto ao teor e ao bom uso do vernáculo, sem reparo à extensão da peça oratória ou qualquer menção de fadiga ou bocejo durante o discurso.
Na noite seguinte, despertei na madrugada, e ao recordar da recente Colação de Grau da Medicina da UECE, tida e havida por muitos como a mais bela do Ceará, dentre as ocorridas nos últimos anos, vieram-me à mente as recordações das minhas passagens nessa casa de espetáculos que se abeira dos cem anos.
Da minha meninice, lembro-me de ali ter assistido duas peças: “A Valsa Proibida”, um musical, do tipo opereta, tendo Orlando Leite e Ayla Maria nos papéis centrais, e “O Casamento da Peraldiana”, uma comédia musical, em tom burlesco, de Carlos Câmara, datada de 1919, encenada pelo notável ator e dramaturgo Haroldo Serra.
Na adolescência, costumava ir ao Theatro José de Alencar, nas manhãs domingueiras, quando havia concertos destinados a jovens. Por vezes, dada à influência dos frades alemães do Convento Nossa Senhora das Dores, eu era incentivado a ver as apresentações de artistas germânicos que se exibiam nesse teatro; o mesmo se repetiu, à época de universitário, quando fui aluno do Centro de Cultura Alemã da UFC.
Em 1968, acompanhei emocionado, nessa casa de espetáculos, a grande final do I Festival Lítero-Musical do Liceu do Ceará, quando a minha irmã Márcia arrebatou o troféu de primeiro lugar, na categoria Poesia, consagrando-se como promissora poetisa juvenil.
Recordei-me igualmente que, em 1970, freqüentei, durante um ano, o curso de Canto Coral, no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. Ali eram ministradas aulas teóricas de educação musical, e prática coral, que me faziam, ainda que parcialmente, recuperar um pouco da matéria Educação Artística, com ênfase no Canto Orfeônico, que me vira obrigado a cursar, no começo do ginasial, no velho Liceu do Ceará.
Por essa época, como parte da programação final do ano letivo, o Conservatório promoveu um concerto no Theatro José de Alencar, cujo “Grand Finale” foi a exibição de “Jesus Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach, pelo Grande Coral da Universidade, acompanhado pela Orquestra Sinfônica Henrique Jorge, sob a regência do maestro Orlando Leite.
Como aluno do curso de Canto Coral, participei do grupo que estava se apresentando, sendo testemunha de um fato inusitado. Ao me perfilar, no palco, com os demais integrantes do Grande Coral, percebi que a ribalta tinha mais gente do que a audiência disposta nas cadeiras, muitas delas desocupadas por nós, face à permuta de funções, de assistência para a de artista.
Como adulto, por força das atividades laborais e dos compromissos familiares, só poucas vezes voltei ao velho teatro, ora tão desprestigiado pelo grande público, em decorrência de sua localização, com um entorno inseguro no horário noturno, e a sabida dificuldade de estacionamento de veículos.
A solenidade de formatura, ali acontecida recentemente, trouxe-me a dupla alegria de rever a magnífica edificação, e, maiormente, pelo significado desse evento, de sentir consolidada a iniciativa dos que ousaram criar um novo curso médico público, em Fortaleza.
Na minha mente, não mais os acordes de Bach, pareciam impregnar o espaço da mais tradicional casa de cultura do povo e da alma cearenses. “Jesus, Alegria dos Homens”, ou “Jesus bleibet meine Freude”, cedera lugar, enfim, a um outro espetáculo, nutrido pelo sabor da vitória: “Formatura, Alegria dos Médicos”; fechava, assim, com chave de ouro, um tempo gestado na luta, em nome de um sonho que tinha, ao seu favor, a obtenção do grau, com direito a prevenir, a mitigar e a curar o sofrimento humano.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina
* Publicado in: O Povo, Jornal do Leitor, de 14 de março de 2009. p.3.

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