Nos anos setenta, o Internato em Medicina na UFC durava doze meses ininterruptos, sem intervalos ou férias, distribuídos em cinco áreas: Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Toco-Ginecologia e Estágio Rural (CRUTAC), o último com duração de um mês. O interno podia escolher uma das áreas para realizar o treinamento durante cinco meses, cabendo dois meses a cada uma das demais áreas.
Grande parte do alunado optava pela Clínica Médica, como campo de estágio dominante, porque a maioria desejava, antes de mais nada, exercer a clínica geral; aqueles que desejavam ser cirurgiões, pediatras, obstetras, em menor número, compatibilizam suas preferências curriculares com as aspirações profissionais e normalmente buscavam assumir o período mais longo no seu próprio setor de interesse.
O complexo hospitalar da universidade, formado pelo Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e pela Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), gozava da preferência dos internos, mas os que pretendiam trabalhar no interior possuíam uma velada inclinação a fazer o Internato no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) enquanto o Hospital Geral de Fortaleza (HGF) despertava a atenção pela multiplicidade de especialidades e por sua localização geográfica, compondo uma demanda bem típica.
Os poucos leitos pediátricos do HUWC, confirmando o desprestígio que outros serviços médicos impingiam à Pediatria, não animavam os futuros pediatras e muito menos a tantos quantos estavam decididos ao exercício de outras especialidades, que tocavam esse estágio apenas, como se diz no jargão esportivo, para cumprir tabela. Apesar da boa vontade e da dedicação dos professores de Pediatria, a limitação dos recursos e a pequena variabilidade na oferta de serviços pediátricos, dentro de um hospital geral que privilegiava o atendimento a adultos, resultava, naturalmente, em pouca atividade para tantos internos, gerando um certo grau de ociosidade do alunado e menores oportunidades de aprendizado e de treinamento.
Tratava-se, na verdade, de um problema crônico exacerbado na segunda metade da década de setenta, com a chegada de muitos alunos transferidos, e de difícil solução endógena, a curto ou médio prazos, o que assegurava a manutenção de um círculo vicioso, envolvendo carência de recursos e deficiência de aprendizado.
No final de 1978, ciente da persistência do transtorno, e mesmo sendo ex-aluno da UFC, pois fora diplomado em dezembro de 1977, conversei com o Prof. Haroldo Juaçaba, então coordenador do Internato em Medicina, no sentido de buscar uma alternativa externa para resolver o impasse, que causava enorme dissabor aos internos, contribuindo para minar a credibilidade do ensino médico da UFC. A medida não era inusitada porque os internos do HGF e da HGCC faziam a Pediatria nesses próprios hospitais, e ainda traria benefícios aos internos que permanecessem no Serviço de Pediatria do HUWC, porquanto ter-se-ia, com tal enxugamento da quantidade de alunos, uma certa adequação à sua capacidade instalada.
Como fora eu admitido para o quadro de sanitaristas concursados da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, o estágio institucional a que fora submetido, para ingresso nessa carreira, permitira-me conhecer o funcionamento das unidades de saúde estaduais, o que incluía os hospitais da Fundação de Saúde do Estado do Ceará (FUSEC), dentre os quais constava o Hospital Infantil Albert Sabin.
O HIAS fora “inaugurado” em 1975, como Hospital Infantil de Fortaleza, em final de gestão governamental, com funcionamento parcial, e reinaugurado em 1977, com a presença do quase prêmio Nobel Dr. Albert Sabin, ocasião em que foi dado o seu nome ao hospital, a título de honraria, fazendo jus ao grande benfeitor da humanidade. A partir daí, a instituição passou a operar em plena capacidade, dispondo de centenas de leitos, distribuídos nas várias especialidades, e contando com ambulatórios especializados.
Em pouco tempo, o HIAS consolidou-se como o mais abrangente e o mais bem equipado hospital pediátrico do Ceará, credenciando-se à sua transformação, como centro de formação de pediatras e de irradiação do conhecimento em Pediatria, qualidades que subsistem até os dias atuais.
A sensibilidade do Prof. Haroldo Juaçaba, frente à sugestão, revelou-se na forma como agiu, com determinação, culminando no envio dos primeiros internos da UFC para o HIAS, dando início, assim, uma tradição de acolhimento de estagiários de diferentes escolas médicas, do Ceará e de outros estados, dentre os quais figuram os internos do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará-UECE.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina
* Publicado in: Rev. de Saúde da Criança e do Adolescente, 1 (1): 70-2, 2009.
Muito boa sua exposição sobre o cotidiano do internato há mais de 30 anos. Cumprimento aos dois irmãos pelo trabalho desenvolvido nos 4 blogs. Parabens. Vocês escrevem muito e muito bem. Eu sabia que cedo ou tarde vocês viriam para a bloogosfera. Venham conhecer meu humilde espaço, por favor (http://conscienciaacademica.blogspot.com/2008/07/podia-ser-um-blogueiro.html).
ResponderExcluirCaro Ynot,
ResponderExcluirMuito obrigado por seu comentário.
Marcelo Gurgel