Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
“Navegar é preciso”Fernando Pessoa
A cada vez que conhecemos uma nova crise, renasce em nós o desencantamento que nos causam os políticos e a política. E, em consequência, a democracia. Esse sentimento não é um traço singular, próprio aos brasileiros. Provocam reações diversas e contraditórias, mais recentemente, no plano da afeição pelos valores democráticos, a crise europeia, as eleições norte-americanas próximas, a resistência das ditaduras aos ventos da liberdade, a onda de corrupção que varre a administração pública, sem limites ideológicos ou geográficos.
É uma reação momentânea, provavelmente passageira, cujos sintomas não podem, entretanto, ser descuidados. A crise está associada à erosão da ética política e traz a decepção com o comportamento dos políticos e da gestão pública.
Para muitos, entretanto, a preocupação com a ética na política é prova de ingenuidade ou reflexo de uma visão reacionária do processo histórico. Como explicar essa tendência sazonal de afeição e desprezo pela democracia? Por que os governos exigem maiores poderes e reclamam o consenso dos cidadãos? Por que a imprensa é alvo do crivo da censura reclamada pelos novos democratas?
Não são poucas nem simples as causas da descrença crescente na ação do governo, em face da crise, aqui e alhures. A quebra dos grandes sistemas ideológicos está, certamente, entre elas. O enfraquecimento das lealdades políticas vem em seguida, ou é a sua causa. A distância entre elites e povo, o esgarçamento da solidariedade social e a percepção da impotência do governo, quando a crise mostra a cara, reforçam as suspeitas de que não são poucos os motivos de apreensão por parte de quem pagará a conta final: o povo.
Argumenta-se que o baixo nível de comportamento ético do político brasileiro e de muitos gestores provém dos anos de ditadura, do autoritarismo e de como foram amputadas as lideranças políticas do País. É possível que esse argumento ajude a explicar a desesperança de muitos brasileiros, os que não aparecem nas pesquisas de opinião, não são militantes partidários, não são quadros da administração pública, nem políticos.
O desastre recente com o Costa Concórdia é o retrato do despreparo e da desídia de um capitão de longo curso. Ao mesmo tempo, é uma revelação do quanto exige a gestão de uma crise anunciada ou presente. Nessas circunstâncias, o tempo e as decisões certas contam mais do que palavras, escusas bem intencionadas ou álibis de fuga. A intuição, a boa fé e a improvisação não contam em situações extremas.
A antecipação da crise é o melhor remédio para tratar dos seus efeitos. Negar a crise, afastar a sua ameaça real, exorcizá-la com palavras de fé e arroubos patrióticos ou da propaganda não muda o cenário, nem altera a ordem dos seus fatores de risco. Afinal, a democracia impõe regras e competência aos governantes, e deles exige habilidades que a flauta de encantamento do discurso político não preenche. Não sei porque estou falando dessas coisas, afinal a crise passou ao largo do Brasil.
(*) Cientista político e membro da Academia Bras. de Educação
Fonte: O Povo, 8/02/12. Opinião, p.6.
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