Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Depois da morte da dialética, pouco sobrou de valia entre os despojos da cultura política recente dos homens. É que a lógica política vigente, mesmo a que sobreviveu entre os herdeiros da revelação marxista, perdeu substância e rumo, afogada no mal-entendido de palavras e significados subvertidos por impulsos semânticos incontroláveis.
Assim acontece com certos substantivos transformados em adjetivos pelo uso cotidiano que deles se faz. A palavra neoliberal parece ter sido banida do convívio familiar, da intimidade de pessoas decentes, transformada em expressão insultuosa, aplicada aos inimigos mais odiados. As palavras “esquerda” e “direita” foram recheadas de intenções, vestidas por acepções que podem reverenciar uma pessoa ou condená-la à execração pública. Os vocábulos “burguês” e “capitalista” ganharam conotações próprias, e carregam o peso de todos os pecados e infâmias e a certeza da eterna condenação.
Quem queira imiscuir-se nas questões tratadas pelos agentes do governo e sua “intelligentsia”, em vigilância permanente e obsequiosa, há que se expor à copiosa retórica de um contraponto prenhe de certezas e verdades aceitas e ao anátema condenatório.
Como ainda não é cobrado pedágio nos atos de discordância explícita, raros entre nós, aliás, afoitam-se algumas pessoas menos sensatas, como eu faço, por esses censuráveis caminhos da cizânia. Tendo considerado estas graves questões da nossa topografia política, com o teodolito posto sobre esquerda, direita e centro (herança dos girondinos, “feuillants”, jacobinos e “cordeliers” da Revolução Francesa), ocorreu-me que a esquerda da direita e a direita da esquerda são o centro, o ponto “G” da serena sabedoria no qual se abrigam os partidos e os seus xamãs. Pois aí fizeram morada a “base aliada”, os consensos e dissensos.
Para felicidade nossa, esses arroubos cívicos nunca chegam a promover uma crise, pois a governabilidade, embora imponha seus custos operacionais, a todos une em harmoniosa cumplicidade patriótica. Poderíamos ser induzidos a acreditar que as queixas e amargas recriminações dirigidas ao governo pelos seus aliados e as votações contrárias ao aconselhamento das lideranças fossem sinais de crise política iminente. Ledo engano. As aparências confundem os menos avisados.
Não há crise que não seja de legitimidade, aprendemos, agora, com fonte autorizada do governo. No mais, são refluxos republicanos, ajustes circunstanciais, feitos entre eructações patrióticas de parlamentares abnegados, unidos pelo consenso da maioria que governa e compartilha o ônus do governo, tudo dentro do mais severo viés republicano.
A mudança das lideranças no Congresso não deve, assim, ser vista como sinal de agravamento de dificuldades acumuladas. Só os incrédulos acreditavam na explosão de uma luta intestina nas bases do governo. Longe de nós um motim fratricida, capaz de comprometer a integridade do corpo místico dessa virtuosa aliança entre esquerda e direita, ou o que isso possa significar, em nome de generoso amor pela pátria comum.
(*) Cientista político e membro da Academia Brasileira de Educação
Fonte: O Povo, 4/04/12. Opinião, p.6.
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