segunda-feira, 9 de abril de 2012

PROF. HAROLDO JUAÇABA: um homem da cultura regional e universal


O casal Haroldo e Heloisa Juaçaba recebe em casa Sir Arnold Toynbee.
O Prof. Haroldo Juaçaba, ao longo de mais de seis décadas de atividades profissionais, ficou conhecido como o grande mestre dos cirurgiões cearenses e o professor de dezenas de turmas de médicos formados pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), qualidades que contribuíam para, equivocadamente, ser tachado de “medalhão”, rótulo do qual não gostava, por produzir algum distanciamento dos médicos neófitos. No entanto, o lado que lhe era muito peculiar, de seriedade e de sisudez, ficava adstrito ao imo da prática médica, principalmente quando se encontrava em campo operatório ou no atendimento ambulatorial aos pacientes, independentemente da sua condição de particulares ou carentes, todos tratados, igualmente, sem diferenças, porquanto irmanados no infortúnio ou na doença.
Fora desses ambientes, na época que ainda exercitava devotadamente a medicina, era dotado de um fino humor, com lances tipicamente britânicos, e de um charme muito especial, que a todos cativava por sua polidez no trato das pessoas e na cordialidade de suas intervenções, embora soubesse agir com firmeza quando a ocasião exigia, mormente quando necessitava corrigir distorções. A lhaneza no lidar cotidiano das suas relações pessoais e os gestos cavalheirescos faziam dele um autêntico gentil-homem, espécime ameaçada de extinção nos dias de hoje.
O Prof. Haroldo sempre foi um homem envolvido com a cultura, abrangendo as suas mais diversas formas de manifestação: a música, a literatura, a pintura, a eloqüência etc. Na sua meninice, por muitos anos, dedicou-se ao estudo de violino, mas teve que interromper a sua formação musical porque, ainda adolescente, aos quinze anos de idade, deixou o Ceará para iniciar o curso de medicina em 1935. Com isso, é possível que a música tenha perdido um virtuose do instrumento de Paganini e um concorrente brasileiro de Yehudi Menuhim, por quem ele, aliás, nutria grande admiração; mas a medicina brasileira e a cearense, em especial, foram sobejamente beneficiadas e enriquecidas pela opção feita, em tão tenra idade, por sua amadurecida decisão, pois foram mais de sessenta anos dedicados a minorar o sofrimento humano. Saliente-se que a música erudita não o perdeu de todo, uma vez que ele sempre preservou o refinado gosto musical, e até mesmo a sociedade não ficou desguarnecida nesse longo período, já que, do disco de cera ou de vinil aos modernos CD e DVD, a boa música pode chegar a quantos a desejam, naturalmente em observância às disponibilidades financeiras individuais.
O Prof. Juaçaba adquiriu excepcional fluência em inglês, durante a sua Residência Médica, cumprida nos EUA, e cultivava a prática dessa língua não somente para a educação continuada em Medicina, fazendo do domínio desse idioma uma permanente busca da leitura das grandes obras originalmente publicadas na língua inglesa. Nos anos oitenta, reservou uma de suas férias, exclusivamente para passar um mês na Inglaterra, a fim de ter aulas particulares sobre Shakespeare, para melhor compreender os textos em suas versões iniciais, do século XVI.
Diga-se, de passagem, que muitas foram as viagens dele empreendidas ao exterior, quase invariavelmente aproveitando a mescla da ciência e da cultura, participando de eventos científicos e conhecendo o circuito cultural dos países visitados, especialmente os acervos de museus e os monumentos, o que permitiu sorver o melhor de cada povo e absorver uma mostra substancial da cultura ocidental.
Esse interesse do Prof. Haroldo Juaçaba pela cultura universal, manifestado na forma como buscou o conhecimento, através das viagens que empreendeu aos centros mais desenvolvidos e dos livros de autores consagrados, lidos ao longo da sua vida, valeu-lhe uma formação intelectual de excelência, revelada nos seus padrões de comportamento.
Uma marca dessa sua simpatia pelos acontecimentos culturais de maior significação, está registrada na visita que Arnold Toynbee, um dos maiores historiadores do século XX, fez ao Ceará, atendendo convite da UFC, para proferir conferência, tendo esse evento contado com sua presença, o que levou o historiador britânico a remeter-lhe, posteriormente, carta de agradecimentos, pela maneira gentil como o casal Juaçaba o recebera, em sua casa, na serra, juntamente com a esposa, em sua passagem por Fortaleza. Na carta, inserida na p.131 (fac-símile) do livro “Haroldo Juaçaba: tempo, espaço, ação”, está formalizado o convite para uma visita a Londres, sendo ali expresso o endereço de residência dos Toynbee, na Inglaterra.
Mesmo com a vida sobrecarregada de tantos afazeres, o seu apego à leitura propiciou-lhe o prazer de reunir uma das mais valiosas bibliotecas particulares de Fortaleza, devidamente organizada e catalogada por uma bibliotecônoma, compreendendo livros médicos e de cultura geral, contendo coleções e obras raras, dignas da atenção de um bom bibliófilo. Por desejo seu, no intuito de socializar o uso, parte desse acervo será transladada para a nova biblioteca do Instituto do Câncer do Ceará.
O seu feliz consórcio com D. Heloísa Juaçaba, pintora consagrada e grande patronesse das artes no Ceará, trouxe a ambos indizíveis contentamentos, nos mais variados planos, onde, logicamente, o sólido e duradouro amor que sempre os uniu, veio a ocupar a primazia nesse rol, mas também proporcionou um ambiente doméstico, de plena convivência com a arte, em que artistas renomados puderam se relacionar e interagir ao tempo que muitos iniciantes tiveram, na boa acolhida do casal Juaçaba, a alavanca de suas bem sucedidas carreiras artísticas.
Na retórica, em debates e pronunciamentos, embora não recorresse a um certo mesmerismo ou arroubos grandiloquentes, detinha total domínio de qualquer audiência, à conta da coerência de seus pensamentos e da serenidade com que construía cada idéia, mantendo um fio condutor durante toda a locução, sem nunca se deixar levar pelo componente emotivo, ainda que o assunto suscitasse discussão calorosa ou inflamada.
Os seus discursos escritos são testemunhas vivas da combinação, em um só texto, da erudição própria de um homem culto, com a precisão técnica de quem manuseava um bisturi, com arte e ciência, compondo uma linguagem direta e claramente objetiva na exposição das idéias trabalhadas.
Hoje, com a sua saúde progressivamente comprometida nos últimos anos, que o tirou das lides diárias, a idade mais avançada não seria certamente uma limitante para conter o seu espírito indomável e a sua vontade férrea de servir ao próximo; por tudo que ele representa, pode-se afirmar, com clareza: a cultura cearense torna-se menor, sem o concurso do cidadão Haroldo Gondim Juaçaba.
Prof. Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico do ICC / Hospital Haroldo Juaçaba
* Publicado In: Ceará em Brasília. Ano 23, Nº 237, p.15. (Informativo da Casa do Ceará em Brasília).

Nenhum comentário:

Postar um comentário