terça-feira, 22 de maio de 2012

COMO PERDER UMA ELEIÇÃO

Por Ricardo Alcântara (*)
Se você governa uma cidade com mais de dois milhões de pessoas e, apesar de investir pesado em propaganda, ainda assim tem seis em cada dez eleitores que fazem uma avaliação negativa de sua gestão, não se preocupe.
Será fácil perder a eleição, caso seja este o seu desejo. Se a metade dos eleitores já declarou que não votaria de jeito nenhum em um candidato indicado por você, eis aí a boa notícia: metade do caminho já foi cumprido.
Falta agora, tão somente, concluir o serviço. É fácil. De início, trate de fazer sua parte, indicando como herdeiro de toda essa popularidade um candidato sob medida para sua tão sonhada derrota. O resto virá por acréscimo.
Para começar, escolha alguém desconhecido, sem atributos positivos reconhecidos pelos eleitores. Assim, ele não oferecerá nenhuma resistência ao esforço dos adversários em colar nele todas as causas de sua rejeição.
Será uma cópia autenticada do que, segundo eles, você fez de pior: buracos nas ruas, lixo nas calçadas, trânsito caótico, filas nos postos de saúde – você sabe, aquelas mentiras que os adversários costumam espalhar por aí.
Agora, seu candidato, apoiado por militantes remunerados, terá que dividir o tempo e a energia que deveria dedicar à construção de uma boa imagem com cansativas explicações sobre atrasos em obras e outros queixumes.
Não se preocupe com a propaganda eleitoral: afinal, o que seu candidato dirá em 50 dias não é muito diferente do que você vem dizendo há meses e, lá, ele será contraditado por um pelotão de adversários, alguns muito inteligentes.
Pronto. Com elevada rejeição e um candidato desconhecido, será mais fácil dar o passo seguinte: passe a tratar seus principais aliados como inimigos de infância e aí, onde quer que esteja agora, Maquiavel sentirá inveja de você.
Disperse a base. Mande essa gente passear. Que percam de vez a esperança aqueles caras com longa tradição de militância entre os seus mesmos eleitores. Afinal, se é para perder, comece dentro de sua própria casa.
Quanto ao governador do estado, faça de conta que ele não manda em nada. Ignore o fato de que ele tem mais aliados que você, inclusive dentro do seu próprio partido. De tanto maltratá-lo, é possível que acabe convencido.
Quem sabe, entenda de uma vez por todas que o lugar dele é na oposição, como, aliás, é obrigado a ouvir todos os domingos, quando se reúne com a própria família para a tradicional feijoada. Com gente teimosa, só vai assim.
Há algo mais que, por dever de ofício, devo dizer, antes de concluir: este não é um plano com garantia absoluta de êxito. Conte com a possibilidade de que seus adversários venham a cometer erros crassos – alguns são bons nisso.
Vai que o Inácio decide fazer contigo o que fez com a Patrícia Saboya. E se o Moroni se aliar de novo ao Tasso Jereissati? Já pensou se o Cid Gomes lança o cara que soltou a polícia em cima dos professores? Você corre o risco de vencer.
Não quero com isso lhe roubar o sono, mas você sabe: coisas más também acontecem a quem só deseja uma mísera derrota. Portanto, siga seu plano e reze para que os adversários acreditem na ajuda que você pretende dar.
Sei que você não me pediu conselho e se fosse mesmo coisa boa – é o que dizem – ninguém dava, vendia. Mas eu também sei que você odeia o poder e não vê a hora de largar tudo isso. E nem precisa agradecer: eu disse o óbvio.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.

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