Batista de Lima (*)
Conheci Aírton Monte no Clube dos Poetas Cearenses em 1970. Nossas reuniões se realizavam na Casa de Juvenal Galeno com a presença de Carneiro Portela, o presidente, e outros colegas como Mário Gomes, Jackson Sampaio, Valden Luís, Arlindo Araújo, Mário Nogueira, Gerim Cavalcante, Márcio Catunda, Rembrandt Matos Esmeraldo, Pádua Lima, Renato Saldanha, Nelson Freitas e outros. Aírton era um dos mais rebeldes, afinal vivíamos tempos de exceção com muitas perseguições políticas. Quando publicávamos nossas antologias Aírton costumava assinar com o pseudônimo de Armon.
Depois do Clube dos Poetas veio o grupo de O Saco que fez um enorme sucesso. Aírton era um dos organizadores. Nunca publicaram nada de minha autoria mas sempre fui leitor fiel da publicação e guardei por muitos anos a coleção completa. O Saco foi prejudicado pela censura mas seguiu o mesmo exemplo de O Pão, da Padaria Espiritual, preocupou-se, enquanto existiu, com a distribuição. Esses dois periódicos são exceção no Ceará, chegaram ao Sudeste da mesma forma como os de lá chegam por aqui. Isso ocorreu graças ao tirocínio dos seus idealizadores: Aírton Monte, Jackson Sampaio, Carlos Emílio Correia Lima e Manoel Coelho Raposo.
Depois veio o grupo Siriará cujo apogeu ocorreu em 1979 por ocasião da reunião da SBPC na Universidade Federal do Ceará. Nesse grupo nos encontramos mais uma vez. Éramos 22 componentes. Além de nós dois havia nomes como Rogaciano Leite Filho, Adriano Espínola, Rosemberg Cariry, Floriano Martins, Jackson Sampaio, Carlos Emílio, Antônio Rodrigues , Geraldo Markan, Nírton Venâncio, Paulo Veras, Fernanda Amaral , Nilto Maciel e outros. Nesse grupo, Aírton era um dos componentes mais atuantes. Nessa época lançou seu livro de contos "O grande pânico".
Depois disso nossos encontros foram mais esporádicos. Aírton enveredou pela crônica e se deu muito bem. Chegou a ter livro seu aplicado para estudo dos vestibulandos da UFC, o que era o sonho de qualquer escritor desta terra. Foram suas crônicas que lhe deram maior visibilidade. Era um "flaneur" à moda João do Rio, um cronista que mergulhava no corpo social, trazendo para seu texto a pulsação das ruas. A crônica de Aírton germinava na rua, nos bares, na voz do povo.
Aírton, nas suas crônicas, destacou personagens que lhe eram próximas e que possuíam caracteres boêmios, preferencialmente. Entre tantos, destaco aqui, o Chico Newton, que ele apelidava de Paxá da Gentilândia. Como tenho ligações familiares com o personagem, sempre acompanhava seus comentários sobre o mesmo. Chico Newton é tão boêmio quanto Aírton, é compositor, violonista exímio e bancário. Nascido e criado na Gentilândia sempre esteve ao lado de Aírton Monte como um de seus amigos mais fiéis. Assim como a Chico Newton, Aírton sempre se referia a seu pai e a Ciro Colares. Imortalizou a ambos em suas crônicas.
Psiquiatra de formação, Aírton Monte atuava em algumas instituições de saúde mental com destaque. Essa faceta de sua vida era uma fonte de conhecimento e experiências que lhe facilitaram o exercício da crônica. Conhecia, assim, a alma humana nos seus momentos mais inusitados. Mergulhava na estrutura profunda do ser humano o que lhe dava respaldo para escrever com experiência própria. O ser humano era vasculhado desde seu comportamento na rua até às terapias de consultório. Isso lhe dava um fôlego especial para mergulhar nesses recantos sombrios da vida.
Mesmo assim, nas suas crônicas, é visível o caráter humorístico de que algumas se revestem. Esse humor, temperado muitas vezes com um fina ironia, era uma forma de Aírton Monte humanizar o que há de mais contundente na existência. O humor era sua salvação não só na escrita como também nas conversas com os amigos. Parece que ciente do efêmero da existência e das suspresas nem sempre agradáveis que a vida nos arma ele ria disso tudo. Ria e fazia os amigos também rirem. Aírton Monte possuía uma infinidade de amigos. Não conheço alguém que dele não gostasse.
Nas nossas conversas ele sempre dizia que precisava me dar conselhos, afinal, era mais velho que eu. Ele nasceu no dia 16 e eu no dia 17 de maio de 1949. Esse dia de diferença lhe dava o direito de dizer que eu me soltasse mais, deixasse algumas amarras e abraçasse mais o que a vida pudesse me ofertar. Ele demonstrava pressa nesse aproveitamento do existir. Tanta pressa tinha que sua fala possuía esse ritmo frenético de aproveitamento. Falava rápido e estava sempre em movimento, era irrequieto.
Essa pressa de Aírton fê-lo partir mais cedo. Deixou desfalcados o Clube do Bode, a torcida do Botafogo e o grupo dos melhores cronistas do Brasil. Aìrton, como Antônio Girão Barroso dizia, também vivia grávido de Fortaleza. Amou essa cidade como poucos. Tirou da vida o que ela pôde lhe dar. Estará com Rogaciano, Augusto Pontes, Barros Pinho, Antônio Girão e Cláudio Pereira, contando as novidades desta cidade que soube amar tão bem e que por ela foi também amado.
(*) Professor da Uece e da Unifor. Membro da Academia Cearense de Letras
Publicado In: Diário do Nordeste. Caderno 3, de 9/10/12.
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