terça-feira, 18 de junho de 2013

O sangue das arenas



Por Ricardo Alcântara (*)
Se há um aspecto positivo a ressaltar nas três primeiras partidas de futebol da Copa das Confederações foi a conduta disciplinar dos atletas, que jogaram na bola e receberam poucos cartões amarelos. Fora das “arenas”, deu-se o contrário.
A polícia baixou o pau – desacostumada, talvez, em lidar com mobilizações de rua, ausentes desde que as lideranças sociais passaram a se ocupar mais em molhar os beiços nas bicas governamentais do que em cuidar da agenda de aflições populares.
Órfã de seus libertadores – agora mais ocupados em cavar boquinhas na máquina do Estado – a sociedade civil se vale do potencial agregador das redes sociais para reagir a agressões diversas ao interesse comum: violência, carestia e corrupção.
Movimentos sociais adotam estratégias de visibilidade para ampliar sua força de expressão e intensificar o impacto dos seus atos. Conquistar a solidariedade pública é multiplicar sua força de pressão. Logo, a mídia sempre fez parte do plano.
E, nos dias de agora, melhor lugar não há para marcar encontro com as câmeras de televisão do que os estádios, que – infeliz coincidência semântica – tão logo rebatizaram como “arenas”, não tardaram a ver sangue derramado em suas portas.
A presidente Dilma, que nem precisa de esforço para andar de cara feia, não escondeu desapontamento ao ser vaiada na abertura do evento, mas alguém há de fazê-la entender: o povo que adora futebol é o mesmo que detesta ser roubado.
E roubados fomos com a disparidade entre o orçamento inicial e o custo real das arenas, construídas com uma participação de recursos públicos muito acima do inicialmente planejado. Era este, o recado da vaia: “Por que te cala, Dilma?”
Igualmente escandaloso é o silêncio da presidente diante da pancadaria com que o movimento social está sendo recepcionado nas ruas – logo ela, que sentiu na carne o peso do arbítrio e foi eleita pelas melhores tradições das lutas civis.
Por um evento esportivo não se pode exigir da nação a interdição temporária de sua consciência. O fetichismo midiático turbina a máquina de consumo que sustenta o evento, mas faz com que a esperteza prove de seu próprio veneno: o mundo todo nos ouviu gritar.
Ora, a virulência policial não foi combustão espontânea: alguém mandou bater! E foi um idiota: os atos públicos seriam pouco mais do que um episódio abonador da nossa saúde democrática, mas entraram na mídia global com viés de negatividade.
Dentro da arena, as vaias à presidente quiseram lembrá-la do crédito de decência que houvera recebido. No lado de fora, as manifestações demonstram que uma sociedade que prospera se torna mais exigente. E é só o começo: “imagine na copa”.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
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