Milton Simon Pires (*)
Ontem, dia 24 de setembro, o presidente do Conselho
Regional de Medicina do Estado do Paraná, Alexandre Gustavo Bley, renunciou ao
cargo. Ele o fez por acreditar, com toda razão, não ser digno de um médico –
muito menos de um presidente de CRM – prestar-se ao vil papel de reconhecer à
força, obrigado por uma medida provisória, o exercício ilegal da medicina no
Brasil.
O ato protagonizado por Alexandre transcende a questão da
medida provisória 621. Ele vai muito além da ética médica pois prova que esta,
como código deontológico de uma profissão, subordina-se a algo muito maior e
faz lembrar que a verdadeira coerência das boas ações ajusta-se a um imperativo
moral que não se restringe a determinados grupos. Não é só como presidente do
CRM ou como médico que seu ato é – como se diz em direito – forte. Define-se
desta maneira, antes de tudo, por ser atitude plena de um cidadão de bem que,
submete-se antes de tudo à Constituição Federal e ao ordenamento jurídico da
Nação ao invés dos interesses políticos que caracterizam os ex-médicos capazes
de formar fila com um governo corrupto.
Cada vez que um paciente se enfurece com a demora ou com
as conclusões de um atendimento, uma das frases mais frequentemente escutadas
pelos médicos, adoradas pela imprensa, discutida pelos polemistas de plantão é
“onde está seu juramento, Doutor?” Pois bem, afirmo eu que “nunca antes na
história desse país” teve a população e boa parte da “imprensa do B”
oportunidade tão grande de saber “onde está nosso juramento”. Todo pudor, toda
vergonha, todo respeito e verdadeira dignidade médica (não essa de Facebook)
está na renúncia de Bley. É nela que reside a verdade do juramento. Nela
deveriam inspirar-se os demais presidentes dos Conselhos Regionais – não só de
Medicina, mas também os de Engenharia, Arquitetura, Odontologia, Veterinária, a
Ordem dos Advogados do Brasil... Sabem vocês o porquê? Porque quando aos justos
e decentes nada mais resta possível fazer no combate contra o mal existe ainda
uma atitude derradeira a ser tomada, uma obrigação das pessoas de bem capazes
de colocar qualquer interesse pessoal ou de classe no seu devido lugar e ser
coerente com a própria consciência e o seu passado – afastar-se do mal, e não
legitimá-lo como vencedor de uma luta que jamais deveria ter acontecido! Esse
ato de renúncia ao interesse próprio, de desapego ao poder, de fidelidade a
algo maior é a verdadeira característica dos notáveis. É isso o sinal capaz de
distinguir entre a população o verdadeiro líder e separar da ralé aquele que
sabe que a caridade se pratica em silêncio, que a bondade de se faz de maneira
individual e sem a demagogia dos canalhas que alardeiam a necessidade do bem
comum.
Há meses a classe médica brasileira vem sendo esmagada,
humilhada, afrontada pelo governo federal e submetida ao escárnio perante à
opinião pública. De toda as atitudes até aqui tomadas pelos conselhos
regionais, sindicatos e federações afirmo eu que nenhuma teve sobre os
verdadeiros médicos brasileiros aquela da renúncia de Bley. Constitui-se, no
seu sacrifício, uma resposta inesquecível aos relativistas de plantão, aos
apóstolos do óbvio e aos profetas da “moderação”. Nada há que se corrigir na
carta de renúncia do presidente do CRM do Paraná. Isolada num país que já não
acredita em verdade alguma que não lhe seja imediatamente útil, a mensagem ali
deixada é uma lição de civismo, de cidadania e respeito à Constituição Federal.
Toffoli e Lewandowski deveriam dormir com cópias dela sob seus travesseiros – o
primeiro para aprender alguma coisa e o segundo para lembrar do que jurou
defender.
Certa vez, Frederico II,“o Grande”, rei da
Prússia, um exemplo de “déspota esclarecido”, resolveu construir um palácio de
verão em Potsdam, próximo a Berlim. O rei escolheu a encosta de uma colina, onde
já se elevava um moinho de vento, o Moinho de Sans-Souci, e resolveu chamar seu
palácio do mesmo modo (Sans-Souci significa “sem preocupação”).Mais tarde,
porém, o rei resolveu aumentar seu castelo e, um dia, incomodado pelo moinho
que o impedia de ampliar uma ala, decidiu comprá-lo, ao que o moleiro recusou,
argumentando que não poderia vender sua casa, onde seu pai havia falecido e
seus filhos haveriam de nascer. O rei insistiu, dizendo que, se quisesse,
poderia simplesmente lhe tomar a propriedade. Nesse momento o moleiro teria
dito a famosa frase: “Como se não houvesse juízes em Berlim!”
Não sei se ainda existem juízes em Brasília, mas ainda
existem médicos de verdade em Curitiba.
(Dedicado ao colega Alexandre Bley.)
Porto Alegre, 25 de setembro de 2013.
(*) É médico cardiologista.
Fonte:
midiasemmascara.org.br
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