Recordo bem, quando ainda criança de tenra
idade, nos anos cinquenta, eu apreciava ver uma grande imagem disposta em um
nicho no terço medial, à direita, da nave da pequena Igreja de Nossa Senhora
dos Navegantes, em Jacarecanga, defronte à Escola de Aprendizes Marinheiros, em
Fortaleza.
A imagem reproduzia uma bela jovem, de tez
alva e rosto angelical, de longos cabelos pretos ondulados, trajando um simples
vestido azul celeste, com alguns detalhes brancos. Ela segurava, à altura do
seu peito esquerdo, um ramalhete de lírios, indicativos de suas pureza e
castidade.
Era Santa Maria Goretti, cujo nome, tal como
Maria de Fátima, servira de motivação para batizar tantas meninas nascidas na
capital cearense, na década de 1950. Eram muitas as famílias locais que
possuíam uma garota que atendia pelo prenome Maria Goretti, embora apenas fossem
chamadas de Goretti.
Nos primeiros anos da década seguinte, por eu
ter duas irmãs, Marta e Márcia, estudando no Ginásio Santa Maria Goretti, uma
escola confessional, a história dessa santa passou a ser mais comentada em
nossa família. Ela era uma adolescente que, por resistir ao assédio sexual de
um rapaz, foi barbaramente assassinada, a facadas, por ele, e, mesmo assim,
ainda o perdoou; também me diziam que o homicida se arrependera do crime
cometido e tornara-se um frade franciscano, que era o jardineiro do convento,
mas não podia celebrar missa.
Maria Resa Goretti nasceu em Corinaldo,
Província de Ancona, na Itália, em 16 de outubro de 1890. Seus pais, Luigi
Goretti e Assunta Carlini, como bons cristãos confiavam na Providência do Pai
celestial. Eles eram camponeses empobrecidos, que foram forçados a deixar sua
fazenda e trabalhar para outros fazendeiros, tendo que mudarem para Le Ferriere,
em Lazio, onde passaram a viver em prédio compartilhado com a família Serenelli;
a condição financeira da família viria a se agravar com a morte prematura do
genitor, quando Goretti tinha apenas nove anos de idade, ficando seis filhos na
orfandade.
Na tarde de 5 de julho de 1902, Alessandro
Serenelli, um moço de 20 anos de idade, agindo premeditadamente, e aproveitando
a situação de que Assunta Carlini estava arando a terra, tentou estuprar Maria
Goretti, que rechaçou as violentas investidas do seu agressor, protestando que
seria um pecado mortal o cometimento de um ato libidinoso tão execrável, sob o
ponto de vista religioso e moral. Refere o Processo Canônico para sua
beatificação que Maria Goretti, aquela frágil menina de doze anos incompletos,
ainda encontrou forças, para lutar, a fim de preservar o tesouro mais querido
de sua vida.
Tomado de ódio, por não lograr o seu
intento, Alessandro Serenelli desferiu-lhe quatorze golpes de uma arma branca,
fugindo, em seguida, crente de que Maria Goretti estava morta. Ela conseguiu
pedir socorro, sendo acudida por vizinhos e pela própria mãe, que a levaram
para o Hospital dos Irmãos de São João de Deus, em Netuno, onde foi submetida a
uma laparotomia, sem qualquer anestesia.
Apesar da gravidade dos ferimentos, Maria
Goretti deu provas cabais de sua santidade, perdoando o seu assassino,
conclamando-o ao arrependimento, para que ele estivesse junto dela na eterna
glória. Ela sofreu horrivelmente, porém
nenhuma queixa partiu de seus lábios. Na noite do seu calvário, Maria recebeu no
pescoço o Medalhão, com uma fita azul, da Congregação das Filhas de Maria.
Então, Maria beijou a imagem da Virgem Santíssima e rezou usando as palavras
que Catarina Labouré falou a Nossa Senhora: “Oh! Maria, concebida sem
pecado, rogai por nós que recorremos a vós”.
Na manhã seguinte,
domingo, 6 de julho de 1902, Maria recebeu a Sagrada Comunhão. Em sua agonia,
revelou a sua conformação, afirmando que em breve encontraria a Deus, face a
face. À tarde, Maria olhou carinhosamente para a imagem da Virgem Santíssima na
parede de seu quarto, e sussurrou para Assunta, posicionada ao lado da
cabeceira do seu leito de morte: “A Mãe Santíssima está esperando por mim”. Às
15h45min, Maria Goretti morre enquanto beija uma cruz.
Após sua morte, uma
enorme manifestação pública acontece; o seu
sepultamento não foi um funeral, mas, sim, um verdadeiro triunfo! Seus restos
mortais repousam, desde 1926, no belo mausoléu de Zaccagnini, erigido para ela
no Santuário de Nossa Senhora das Graças, em Netuno.
Canonização de Sta. Maria Goretti |
Alessandro Serenelli, sob proteção policial,
escapou do linchamento por populares, revoltados à conta do odioso crime
perpetrado, e foi levado a julgamento, recebendo a condenação à prisão
perpétua, comutada a trinta anos de prisão, por ser menor de idade, ao tempo do
crime. Durante a prisão, ele declarou ter tido uma visão da mártir, oferecendo-lhe
lírio, que, ao recebê-lo, se transmutou em
chamas cintilantes, fato que culminou em sua conversão. Em 1936, tendo
passado trinta anos encarcerado, Alexandre Serenelli ingressou em um convento
capuchinho, no qual viveu o resto de seus dias, como frade contemplativo, em
vida santa e penitente, vindo a falecer em 1970.
Em 27 de abril de 1947, o Papa Pio XII beatificou Maria Goretti, virgem e mártir, na
Basílica de São Pedro, em Roma, em cerimônia assistida pela mãe e três dos
irmãos de Maria e de pessoas de toda
parte do mundo vieram render-lhe homenagem.
Em 24
de junho de 1950, Maria Goretti foi canonizada pelo Papa Pio XII, na presença
de sua mãe e irmãos, e, inclusive, de Alessandro Serenelli. Para a sua canonização quarenta milagres
foram atribuídos à sua intercessão. A canonização foi realizada na Praça
São Pedro, em frente à Basílica de São
Pedro. Uma multidão de meio milhão pessoas presenciou à celebração, na
sua maioria jovens, vindos de vários países do mundo.
Maria Goretti é padroeira das
adolescentes, da castidade e das “Filhas de Maria”. Ela pode servir
de exemplo à juventude hodierna, em uma época de decadência moral, como o ideal
de pureza e integridade espiritual.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Integrante da Sociedade Médica São Lucas
* Publicado In: Boletim
Informativo da Sociedade Médica São Lucas, 9(74): 4, setembro de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário