Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
No Natal
você não sabe o quanto vai se endividar. Em nome do amor, do afeto, se gasta o
que não se deve e pior tomamos consciência de sermos devedores das pessoas do
nosso circuito afetivo.
Quando
exercia a Pediatria, observava que o ato de oferecer alimentos em demasia e
consequente obesidade infantil era, não poucas vezes sinal, de rejeição
paterna/materna.
Procura-se
assim no exagero de oferta de alimento, guloseimas, etc. uma maneira de manifestar,
de esconder o sentimento de rejeição aos filhos. Criar e educar crianças são
trabalhos de tempo integral. Requer uma dedicação constante e por que não
dizer— total. Cansativo.
O fato é
que criança rejeitada, mesmo inconscientemente, torna-se com a proximidade das
festas natalinas, vítima de ser intoxicada por ser super presenteada para
compensar os dias de desamparo. Os pais ocupados por outros encargos da
sociedade de consumo terceirizam a educação/ensino e o pior, confundem educação
com ensino, como se pagar um bom colégio, seria uma maneira de encobrir a falta
do seu papel parental.
Confundem
ensinar com educar. Educar é ofertar afeto, amor, segurança, valores éticos ou
morais. Não se aprendem nas escolas e
sim no Lar. Pais “terceirizantes” esquecem que a família não é pessoa jurídica.
Esquecem que ter filhos não é gerenciar ou ser executivo de uma empresa.
A
propaganda da época natalina consegue juntar toda essa frustração em um novelo
sem ponta ou princípio e enrolando-se na cadeia afetiva do desejo biológico de
perpetuar a espécie, que termina na fragilização pela culpa na compra exagerada
de presentes e atenções que se agudizam mais na época natalina.
Procuram
em um dia, empanturrá-las com brinquedos, quitutes, carros, bonecas e outros brinquedos
tão perfeitos que não dão nem oportunidade de desenvolver a criatividade na
criança. Abraço, beijos, árvore de luzes para saldar as dívidas afetivas contraídas durante o ano que
vai passando não funcionam.
O “Homo
economicus" tem com o lema— consumam, consumam, consumam — e mesmo assim
não conseguem saldar as dívidas contraídas com os filhos. Assim nos ensinaram
desde quando éramos crianças. Será que esquecemos que a educação infantil
principia com a educação dos pais? Sem adultos saudáveis, presentes e atuantes
o que podemos esperar dos futuros adultos?
Em
síntese sem esses cuidados não é de não surpreender com as notícias de que
estão a surgir, sobretudo a partir da década de 90, crianças diferenciadas,
mais talentosas, mais sensíveis, que naturalmente rejeitam concorrência,
conflito e separação, mas surge a pergunta: Será isso sadio para a espécie
humana? Não saberia responder.
Mas,
ninguém poderá negar o aumento de crianças diagnosticadas com déficit de
atenção e hiperatividade. Há também um grande número de crianças e adolescentes
com diagnóstico de Perturbação Bipolar (Depressão), aumento das taxas de
suicídio e com a nova epidemia de obesidade. Sem mencionar a violência e a
toxicomania. Ao receberem esses diagnósticos de disfunções psíquicas começam a
tomar remédios. Infelizmente, não existem estudos sobre os resultados da
utilização de medicamentos neurológicos e psiquiátricos que começam a ser
ministrados a partir de uma idade precoce. Mas há indícios que estes
medicamentos interferem nas funções cerebrais e predispõe às enfermidades
mentais, da mesma forma que acontece na idade adulta.
Infelizmente
o Natal já foi festa, já foi, um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um
orçamento, afirma com razão Nelson Rodrigues.
Costumo
perguntar: Não seria melhor que todos os dias fossem Dia de Natal? Dizem que
papai Noel é um velho muito gordo e mora sintomaticamente nos Shopping Center.
Lembre-se
de uma coisa: criança não se engana com besteira que o dinheiro pode comprar. E
que quando uma criança não acredita mais no Velho de barba branca e seu trenó,
desaparece uma estrela no céu.
Cuidado
senhores responsáveis! Não existe algo mais sublime e misterioso que a criança.
Desconheço uma criança sem uma mãe, não importa se biológica ou adotada. O
precursor do espelho é uma mãe. Não há presente por mais caro que seja que
possa substituir pais suficientemente bons. Não precisam ser excepcionais.
Bastam ser bom o suficiente para seu filho ou filha. O que sei é que criança
não tolera hipocrisia.
Como
dizia Joaquim Nabuco (1849-1910): É aos
nossos filhos que pagamos nossas dívidas para com o nosso País.
Ou vale,
cada vez mais, o poema de Carlos Drummond de Andrade:
Menino ou
menina:
Peço-te a graça de não saber mais poema de Natal....
Um, dois, três... Inda passa...
Industrializar o tema, eis o Mal.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
Nenhum comentário:
Postar um comentário