quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Do ‘grande salto’ ao passo seguinte



Por Ricardo Alcântara (*)
Já vi governo mal assessorado embarcar em canoa furada de pesquisa. O furo não estava nos índices, mas na leitura oferecida sobre eles – generosa para o ego do governante e ainda mais conveniente para a estratégia da deslealdade em curso.
Vamos por partes. Quando uma pesquisa oferece um índice de aprovação de governo, isto não quer dizer que os cidadãos estejam, necessariamente, de todo satisfeitos com ele. O dado, por si, não define um estado qualitativo, de entusiasmo.
O que na maior parte o dado indica – o cruzamento com outros é que determinará o percentual de aprovação efetiva – é que o cidadão considera haver no governo, face às circunstâncias, operosidade no enfrentamento dos problemas, o que é bom.
Explico melhor: índices genéricos de aprovação afirmam, mais do que adesão de massa, um estado de boa compreensão sobre a relação intencional: é o saldo entre esforço e dificuldade, propósito e circunstância, que está sendo (bem) medido ali.
Assim, é compreensível que o governo Cid Gomes, tão criticado por resultados pífios em Segurança, conte com aprovação – moderada ou decidida – de metade dos cearenses: o resultado é uma ponderação entre desempenho e circunstância.
O dado imediato mais revelador sobre a adesão ao governo é o percentual que o define como “ótimo”: ali está o cidadão que pede a palavra quando o governo é criticado nas rodas de bate-papo, que é onde a inclinação potencial se multiplica.
No caso do Ceará, pesquisa recente (Ibope) revela, no item, índice modesto para um governador que alega ter feito em sete anos o dobro do que foi realizado em doze por quem ele considera(va) “o maior político vivo do Ceará”. Conta esquisita.
Não supera a faixa de 5%, o percentual “ótimo” de cearenses que reconhecem o “grande salto” que Cid Gomes imagina ter dado no estado. Se for mesmo para comparar, o fato é: Tasso Jereissati fechou o sétimo ano com o dobro mais dois.
Como não era homem de consensos, mas forte de temperamento e excludente nos métodos, o ex-governador obtinha, por outro lado, índice mais elevado de rejeição do que o indicado agora para um governo que não tem o PT nos calcanhares.
Se o governador está tão convicto de que realiza extraordinária obra, há muito a ser avaliado: em 26 anos (1987-2013), não recordo pesquisa que tenha colocado uma gestão cearense em décimo lugar na avaliação dos governadores brasileiros.
Os cinco mandatos do ciclo tucano – Tasso, Ciro, Tasso, Tasso e Lúcio – nunca frequentaram a faixa intermediária da lista: estavam sempre entre os cinco melhor avaliados. Mas talvez incomode ao governador investigar as razões de tudo isso...
O que muito favorece a Cid Gomes na perspectiva de sua sucessão é que, baseado numa margem ampla de aceitação (aprovação moderada), e poderosos apoios eleitorais, seu candidato é potencialmente favorito em quadro semelhante ao atual.
Digo em “quadro semelhante ao atual” porque 2014 é movediço: a Copa do Mundo, já se viu, poderá acionar forças a princípio antagônicas, de ufanismo e indignação, combinadas numa equação ainda não formulada pela realidade. Até lá, veremos.
Como não se sabe ainda a direção e a força dos ventos adiante, ninguém deveria se julgar de fato seguro sem bom calado e quilha profunda. Quem prometeu o “grande salto” ficará satisfeito se der pelo menos um passo adiante, fazendo o sucessor.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre é cão sem dono. Se gostou, passe adiante.

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