Por Ricardo
Alcântara (*)
O PT de Lula destruiu a céu aberto a reputação dos
presidentes que o antecederam, tendo todos eles dado bons motivos a
contestação. Com o apoio do movimento popular, realizou grandes mobilizações
com aquela corrosiva finalidade.
A forca era a mesma. Mudava o nome do Judas: o “Fora
Sarney” virou “Fora Collor” que virou “Fora FHC” e seria “Fora qualquer um” até
que Lula subisse a rampa para iniciar um processo histórico contra “tudo aquilo
que estava lá” – o mote das ruas.
Dos três, o mais jovem foi traído pelo excesso de
confiança e não comprou – o termo é este – o parlamento. Pelo erro fatal, foi
largado na selva à própria sorte e logo devorado pelos caras pintadas. À frente
deles, o que se via? Bandeiras do PT.
Enfim, enquanto se consolidava no movimento popular,
identificado à medula com as lutas dos assalariados, o PT atraía a classe média
urbana ao denunciar o baixo padrão ético das representações partidárias mais
ligadas às elites econômicas.
Até que chegou a vez de também eles entrarem na máquina
de triturar “bravatas” (o termo é do próprio Lula), assumindo o que um dia
denunciaram como “poder burguês”, e abdicar de grandes rupturas para obter
avanços pontuais a custo alto.
O escândalo do mensalão estourou porque José Dirceu
tentou levar um bandido perigoso na conversa. O ministro calculou: “O Roberto
Jéferson não grita porque sabe que, se gritar, vai junto”. Em tese, estava
certo. Era a regra. Mas se deu mal.
Jéferson estava disposto ao papel de exceção e abriu a
boca, mesmo sob o risco de cair na vala que abria sob os pés, porque surtou à
loucura de um narciso ferido. Presunçoso, José Dirceu não sabia dos homens
tanto quanto imaginara. Trincou.
O fato é: qualquer netinho do Lula sabe que o presidente
conhecia a finalidade, os atores e o modelo daquela operação que recebeu o nome
impróprio de “mensalão”, mas nenhum fator facilitava seu envolvimento pessoal
no processo condenatório.
Em primeiro lugar, a rotina presidencial foi protegida
das manobras corriqueiras da operação: em nenhum momento passível de
verificação investigativa a palavra “presidente” cruza a nuvem onde estão
alojados os outros termos do problema.
Mais. Interessava às elites fazer com que a frente
popular instalada na esplanada de Brasília sangrasse em praça aberta, mas
jamais interessou a ela uma crise institucional que retirasse a legitimidade do
mandato presidencial de Lula.
E não foi por amor à pátria que as elites não semearam a
crise, mas por duvidar de um desfecho favorável a ela. Tinham razão: haveria
enorme resistência. Amparado no aparelho de Estado, o movimento social
organizado reagiria em muitas frentes.
Lá fora, tampouco haveria entusiasmo: a política
econômica conduzida por Lula era, nos seus termos essenciais, de continuidade
ao receituário antes acordado com a banca internacional. É difícil mexer com
quem está de bem com os brancos.
No mais, ao contrário do siderado Collor, Lula tecera
paciente pacto no Congresso Nacional, rifando a alma e mais algumas joias da coroa
para atar a carroça do PMDB aos arreios de seus cavalos. Ali, o desejo de
poupá-lo era imensurável.
Por fim, o governo Lula obtinha aprovação nunca vista: o
país crescia, os índices de emprego batiam recordes, ampliava-se o crédito e
haja Bolsa Família: foram trinta milhões de brasileiros retirados da miséria. E
aí, valia a pena mexer com “o cara”?
Eis aí as razões que deixaram o presidente a salvo de
envolvimento declarado com uma operação que ele não apenas conhecia como tinha
como objetivo resolver pendências que dariam maior tranquilidade à sua base de
apoio parlamentar.
Agora, vendo velhos companheiros presos por crime que ele
consentira e do qual seria ele o mais beneficiado caso houvesse êxito, como
deve estar sentindo os fatos Lula, entre uma baforada e outra dos charutos que
aprecia? Aliviado, talvez.
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário