Affonso Taboza (*)
Cresci no interior do Ceará
vendo o sertanejo de olho no céu. Não à procura da salvação eterna, que esta
vinha das missas e promessas, dos terços e novenas; mas da salvação temporal.
Bem podia ela depender de um milagre. O milagre da chuva, a verdadeira salvação
da lavoura. As espiadas começavam na segunda quinzena de dezembro e, se a chuva
não vinha, se estendiam até dezenove de março, dia de São José.
Esquadrinhava-se o céu de norte a sul, de leste a oeste, à procura de um
farrapo de nuvem que desse esperança.
Alguns invernos começavam em
dezembro, Natal debaixo d’água. Outros em janeiro, o caso mais frequente. Em
fevereiro os invernos escassos. Março, até o dia dezenove, invernos
fraquíssimos, que os sertanejos ainda não chamavam seca, para evitar o
palavrão. Mas se o verão ultrapassasse a barreira dezenove, o festivo dia de
São José, as esperanças se esvaíam. E tome procissão com o santo no andor, e
tome novena, e tome súplica aos céus com rosários e benditos.
A seca de antanho era
calamidade bem maior que a de hoje. Não tínhamos a rede de estradas de agora
nem a abundância de meios de transporte de alimentos, nem podíamos ao menos
imaginar facilidades de hoje. Tal estigma não atingia outras regiões do país.
Ou se atingia, por aqui não se sabia. O fato é que os povos do sul maravilha
“gozavam” os nordestinos pela dependência de chuvas que não vinham. As revistas
fotografavam o chão rachado do fundo das lagoas secas e mostravam o que seria o
solo do sertão calcinado pelo ardor do sol e a ausência d’água.
Pois bem. Hoje o Brasil inteiro
está de olho nas nuvens. Castigo. Deram de fazer barragens para geração de
energia elétrica e lá vai o Brasil a depender da chuva. Não mais para produção
de alimento e salvação do gado, mas para alimentar a fome insaciável de
eletricidade que maltrata o país. E haja cientista a perscrutar o céu, a
consultar mapas, a estudar imagens de satélite, temperatura de oceano, e outros
sinais exóticos que, para o nosso velho sertanejo, seriam extravagância. Eles
não precisavam disso.
Os bichos mandavam sinais e os
profetas, iluminados, interpretavam. Um ninho de joana de barro com a entrada
para o nascente, pulga no sovaco do peba, e por aí vai. Até a fogueira de São
Pedro sinalizava o bom ou mal inverno. É bom que seja assim. Deixem que eles lá
se preocupem. Deixem ministros e presidente olharem para as nuvens. Pelo menos
ninguém mais vai mangar do nosso tabaréu, quando ele, preocupado com a
sobrevivência, for visto de olho no céu. O que ainda acontece, e está
acontecendo este ano, infelizmente.
(*) Presidente do
Conselho Temático de Assuntos Legislativos da Fiec
Fonte: Publicado
In: O Povo, Opinião, de 20/03/201.
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