Do UOL, em São Paulo
“Censura é uma
forma de calar a boca. Cala a boca já morreu. É a Constituição do Brasil que
garante” Ministra Carmem Lúcia
A publicação de
biografias não autorizadas foi aprovada, por unanimidade, pelo STF
(Supremo Tribunal Federal). Por nove votos a zero, a corte decidiu, na tarde
desta quarta-feira (10/06/15), em Brasília, que os livros e obras audiovisuais
biográficos estão liberados em todo território nacional sem a necessidade
de permissão prévia do biografado ou de seus herdeiros.
A sessão
plenária julgou a ação movida em 2012 pela Anel (Associação Nacional dos
Editores de Livros). A entidade questionava a legalidade dos artigos 20 e 21 do
Código Civil, em vigor desde 2002 e que impedia a veiculação de informações
pessoais de biografados em situações que “lhe atingirem a honra, a boa fama ou
a respeitabilidade”. Foi a partir desses artigos que o cantor Roberto Carlos
se apoiou para vetar, em 2007, a veiculação do livro “Roberto Carlos em
Detalhes”, escrito por Paulo Cesar de Araújo, até hoje o caso mais notório de
proibição de uma obra do tipo no país.
O consenso
entre os ministros que participaram da sessão é de que a exigência é uma forma
de censura e vai contra a liberdade de expressão, garantida em Constituição, e
que medidas reparadoras para possíveis distorções podem ser discutidas na
Justiça. Votaram a favor da publicação sem autorização os ministros Carmem
Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Maria Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar
Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e do presidente da corte, Ricardo
Lewandowski.
A ata final da
sessão será publicada na quinta-feira pelo STF e deve sair até segunda-feira no
Diário de Justiça da União. A decisão, no entanto, não retomará casos que já
foram julgados, apenas aqueles que estão em andamento e que poderão vir a
julgamento futuramente. Em caso de calúnia, difamação ou injúria, o autor
poderá ser responsabilizado civil e/ou penalmente.
Sessão de
julgamento
Relatora do
caso, Carmem Lúcia abriu a votação dizendo que “censura é uma forma de calar a boca”. Para Luís
Roberto Barroso, “a censura prévia são vedadas como regra geral. De modo que
qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de expressão, deve se dar preferência
para os mecanismos de reparação 'a posterior' e não prévia”.
Rosa Weber
disse que “tentar controlar a história e a vida é impedir que venha a lume a própria
memória”. Luiz Fux entende que, “na medida que cresce a notoriedade da pessoa,
diminui-se a sua reserva de privacidade. Nós, juízes, temos que ter notório
saber e reputação ilibada na vida pública e privada. O que uma pessoa que
participa de um reality show deve
alegar a respeito de privacidade? Já que ela se permite ser filmada dormindo?”, questionou.
O advogado da
Anel, Gustavo Binenbojm, abriu sua fala defendendo que esse tipo de autorização
prévia se converte na prática em poder de veto, o que tem um efeito equiparável
à censura. “Ninguém precisa de autorização para ser livre”, diz Binenbojm
no plenário do STF. Ele ainda afirmou que a exigência da autorização prévia
para as biografias criaria um monopólio de biografias autorizadas, que
representam apenas visão do protagonista.
Binenbojm
encerrou seu discurso dizendo que essa é uma causa de toda a sociedade
brasileira, e não apenas de editores de livros. “Senhores ministros, essa não
é uma causa apenas dos editores de livros, tampouco é uma causa que interessa
apenas aos escritores e historiadores ou acadêmicos. Essa é uma causa da
sociedade brasileira. É a causa de um país que tem pressa de se educar e se
informar. É a causa de quem acredita que a ideia e as palavras podem mudar o
mundo”.
O advogado
Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, do Instituto Amigo de Roberto
Carlos, defendeu no STF o direito à intimidade e à privacidade. “Falaram em
censura. Mas a única censura que está aqui é ao cidadão que vê sua intimidade
atacada, uma censura para que ele não procure o Judiciário. Não para exercer
uma decisão prévia, mas para depois da publicação do livro”, afirmou.
O advogado usou
como exemplo uma hipotética biografia de um bandido. “Imagine um
criminoso que seviciou uma mulher. Ele sai da cadeia e resolve escrever a sua
biografia e conta a história de que ele seviciou a mulher. Ele tem o direito de
publicar a biografia. O crime é verdade. Ele não está mentindo. Mas, e a
mulher? Ela será humilhada novamente ao ver sua história no livro. Ela tem que
ter o direito de que, na próxima edição da obra, aquilo não seja publicado.
Retirar a obra do mercado eu acho falho. Mas na próxima edição não tem que sair”, disse. Ao
encerrar a sua fala, o advogado citou a letra da música “Fera Ferida”. “Eu sei que
cicatrizes falam. Mas as palavras calam o que eu não esqueci”, disse Kakay.
Fonte: UOL Notícias, de 10/06/2015.
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