Pedro
Henrique Saraiva Leão (*)
A Academia Cearense de Medicina (Vladimir Távora,
Presidente)ciosa de sua função como
observadora e guardiã da saúde de nossa gente, promoveu de 14 – 15 de maio
último sua XVI bienal, organizada pelo seu vice – Presidente Prof. Manassés
Fonteles. Os estupefacientes, ou psicotrópicos entorpecentes, constituíram o
tema único, debatido por convidados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A
conferência local relevante foi do Prof. Paulo Picanço, acerca da psicodinâmica
da drogadição. Tal vício, datando de 1869, enraizou-se desde o lançamento do
hidrato de cloral, soporífero (hipnótico, narcótico, sonífero) leve ao qual
aderiu o poeta Dante Gabriel Rossetti (1828-1882). A seguir surgiram o sufonal,
a barbital, e o veronal. Tirante o
álcool e a nicotina, drogados (drogaditos) nos lembram principalmente maconha,
heroína, cocaína e o crack. A subordinação a drogas psicoativas reedita a
crônica do ópio, desde os sumérios, na Mesopotâmia (Ásia). Disponível no Egito,
em Roma e na Grécia antigos, era conhecido por Andrómaco, médico de Nero como
me/meizinha (remédio caseiro), analgésico, e antídoto em mordidas de animais.
Preparado do suco (“opium”) de cascas da papoula indiana (“Papaver
sominífera”), contém mais de 20 alcalóides, dos quais a morfina (em alusão a
Morfeu, Deus do sono) é o mais importante. Nos meados do século XVII, diluído
em água tornava-se láudano, sedativo, como o consumia Thomas Sydenham, o
Hipócrates inglês. O poeta britânico Samuel Taylor Coleridge (+1834) foi dependente
de ópio, como atesta seu poema “Kubla Kahn”. Destes psicofármacos, o menos
viciante é a maconha (“Canabis sativa”), ou marijuana, desde o III milênio
a.C., e consumida pelos poetas Shakespeare (sonetos 27 / 56) e Baudelaire.
Embora psicoativa, um dos seus 400 compostos (THC) vem sendo experimentado
clinicamente como antagônico do crack, ou drogas mais “pesadas”. Já legalizada
no Uruguai, atualmente cogita-se do seu cultivo doméstico no Brasil. Durante o
processamento do ópio origina-se a morfina e sua transformação em heroína
(diacetilmorfina), mais viciante do que aquela. A história destes usos remonta
a quase 5.000 anos, quando os andinos já apreciavam folhas da “Erythroxylon
coca”, ou coca boliviana. Pessoas famosas a consumiam, como o Papa Leão XVII, o
médico/escritor Arthur Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes, Robert Louis
Stevenson (“O Médico e o Monstro”), e Freud. Graças aos eflúvios da cocaína,
Freud teria cerebrado processos mentais inconscientes, criando a psicanálise. O
inventor Thomas Edison e a atriz Sara Bernhardt igualmente renderam-se à
cocaína. A popularidade desta cresceu quando o americano John Pemberton a
incluiu na fabricação da Coca-Cola (60mg / 140ml). Esta receita perdurou até
1906, quando a cafeína a substituiu. Usada contra a adição à morfina, o famoso
cirurgião norteamericano William Halsted (+1922) dela e da cocaína tornou-se
adepto. No teatro desta história papel relevantíssimo é o do crack, de início
em Nova York, e desde 1990 no Brasil, máxime na Cracolândia, coração de São
Paulo. Outros coadjuvantes contracenam neste palco, como o LSD, a Psilocibina,
a Muscarina, estes oriundos de cogumelos alucinógenos. Os sonhos induzidos pelo
LSD teriam inspirado o inglês Francis Crick a descobrir a dupla hélice do DNA,
em 1953, valendo-lhe o prêmio Nobel de 1962. A Mescalina, extraída de cactos,
foi divulgada em 1954 por Aldous Huxley (“As portas da Percepção”), e na obra
de Carlos Castañeda, em 1960. Outras drogas, ditas recreativas mas
potencialmente mortais são as anfetaminas (cristal), o Ectasy, o loló, e o
krokodil, ou krok. Todas elas denunciam este deplorável mundo novo, à cuja
crescente depravação vimos assistindo boquiabertos, nestes anos sem Cristo. O
patrono daquela bienal – Dr. Silas Munguba - declarou que as drogas vieram para
ficar. Urge, ao menos, cerceá-las. Portanto, houve-se bem
a Academia Cearense de Medicina. Parabéns.
(*) Médico. Professor
Emérito da UFC. Ex-presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 24/6/2015. p.8.
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