sábado, 4 de julho de 2015

SÃO JOÃO DE ANTANHO

Por Affonso Taboza (*)
Quem carrega nos ombros o peso dos setenta ou oitenta, certamente se lembra com saudade das festas juninas dos tempos de criança. Sobretudo os nascidos e criados no Interior, e estes são muitos, pois nossas raízes são sertanejas. De origem remota, as festas juninas eram acontecimento importante no calendário social e religioso de cidades e vilas, e para elas as pessoas se preparavam com zelo e cuidado. Em tempos mais distantes, chamavam-se festas Joaninas, focando o santo homenageado. Em tempos mais recentes, dois santos menos cotados, Antônio e Pedro, por terem na liturgia católica seus dias em junho, se somaram aos festejos. Menos cotados – diga-se – em matéria de homenagens que tais, mas respeitadíssimos em outras áreas. São Pedro já naquele tempo portava as chaves do céu e comandava as torneiras dos bons invernos. Santo Antônio já era alcoviteiro, arranjava casamentos e enchia de esperança as caritós. No entanto, pálidas eram as homenagens que recebiam, a não ser nos lugares onde eram padroeiros.
O ponto alto dos festejos eram as fogueiras e delas se tiravam sinais. São Pedro, por exemplo, costumava responder as consultas sobre o inverno vindouro. Uma garrafa cheia d’água, enterrada sob a fogueira, indicava bom inverno se o nível d’água no dia seguinte estivesse alto, ou mau inverno se estivesse baixo. Garrafa quase vazia era sinal de seca braba. Verdade que ninguém punha em dúvida.
Mas, festa de arrojo mesmo era a de São João. Fogueiras ingentes de madeira boa – sabiá, pau branco, aroeira, anjico e outras – crepitavam majestosas para todo lado, elevando suas chamas e fagulhas a metros de altura, tangendo para longe a escuridão da noite, e animando os terreiros iluminados. Outras, pequenas de propósito, permitiam a brincadeira do pular fogueira, das danças de roda, dos compromissos de madrinha e afilhado, compromisso sério, diga-se de passagem, implicando até na obrigação de tomar a bênção. Madrinha de fogueira era respeitada.
Fartura, muita fartura de alegria e comida, era o que se via: dança de quadrilha, milho verde assado e cozido, pamonha, canjica, manjares deliciosos preparados com os frutos da terra abundantes em fins d’águas.
A tradição sobrevive graças ao esforço de abnegados, que tentam preservar a cultura do País, mas pouco têm a ver os eventos “pasteurizados” de hoje com a doçura e a espontaneidade das festas daquele tempo. Não é crítica, é constatação, até porque os tempos são outros e seria descabido querer reproduzir um passado que não volta mais. Onde encontrar lenha para as fogueiras, terreiros para iluminar, ingenuidade como a daquele povo inculto para ouvir histórias de alma e lobisomem nas rodas de calçadas, comendo pamonha e milho verde assado?
Nosso aplauso aos que, de uma forma ou de outra, tentam manter viva a tradição, mesmo incrementados os festejos com casamentos de matutos e outras brincadeiras que naquele tempo não existiam. Até porque todos eram matutos. Importante é o esforço de mostrar as coisas boas do passado, e que nossos maiores eram quiçá mais felizes em sua simplicidade que nós, amantes da modernice, cercados de comodidades que mais nos escravizam que confortam.
(*) Engenheiro civil e militar, e membro do Instituto do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo. Fortaleza, 17/06/2015. Opinião. p.8.

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