Gerado em Roma, nasce em Antioquia e retorna a Roma para
reinar, depois de uma sequência de grandes golpes políticos. Evidencia-se que
suporta mal a rotina da coroa, o respeito às regras e o equilíbrio de decisões,
e sempre que possível joga-se na confrontação direta, acendendo a adrenalina da
luta no octógono dos palácios e das ruas, realizando espetáculos para o gosto
das massas, pregando o extremo com o exemplo.
Artaud define Heliogabalo como um tirano, radicalmente
coerente e obstinado, fiel a uma ordem mística e subjetiva, que faz do trono
romano um teatro de fantoches. E todo tirano intenta acertar completamente o
mundo pelo seu compasso singular, confundindo-se com a Lei. Portanto, este que acorda
convulsões perigosas, cheias de rebelião teatralmente declarada e de leilões,
de consciências e fidelidades, devora-se e devora.
Retirada a pátina escatológica, eu gosto deste poético
esboço do ensaio-biografia sobre um individualista impulsivo e sistemático que,
diante do poder absoluto, subverte-se absoluta e psicopaticamente. Em algumas
ditaduras africanas ou asiáticas ainda é possível encontrar tais surrealismos,
mas, mesmo domados, eles espreitam no comportamento de muitos gestores públicos
atuais, pelo Brasil e pelo mundo, vítimas do desmedido.
Nos últimos milênios, criamos e recriamos uma palavra:
democracia. Sua prática exige pactuação prévia de regras e obediência, até nova
pactuação. Também exige articulações e mediações. Quando o gestor ultrapassa o
rigor técnico, subverte as instâncias de mediação, toma partido diante de
direitos legítimos em contradição e subleva as bases, a democracia cambaleia e
passa a vogar, pelo ar, o odor da tirania.
(*) Professor
titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O
Povo, Opinião, de 8/8/15. p.8.
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