quarta-feira, 21 de outubro de 2015

PELAS CONTAS: mais cursos, mais votos


João Brainer Clares de Andrade (*)
O Ministério da Saúde vale-se da máxima de que o país não tem médicos. Desconsiderando a díspar distribuição desses profissionais, naturalmente atraídos por respeito, formação e boas condições de trabalho, o Ministério insiste em contas que não traduzem a realidade. Não colocam na conta que mais médicos pedem mais exames, prescrevem mais medicamentos, demandam mais pareceres de especialistas. O grande ponto já foi citado por Adib Jatene, afirmando que o Brasil precisa de médicos, de bons médicos. A formação adequada consegue resolver boa parte das demandas ainda na atenção básica e contingencia a solicitação de exames fúteis. O bom médico, quando não resolve ir para atenção básica, iniciando especialização, também faz diferença ao paciente: dentro da sua especialidade resolve melhor a demanda, também contingenciando exames e internamentos.
Formar médicos para o governo virou conta matemática. O Brasil já é o segundo do mundo em escolas médicas; ganhamos com folga dos EUA. A conta engrossa os bolsos da iniciativa privada: quase 70% das escolas médicas brasileiras são privadas, cobrando mensalidades que ultrapassam os R$ 4 mil. No Ceará, foram cinco novas cidades anunciadas como aptas à instalação de cursos. Grande erro, seja pelas contas, falta de responsabilidade ou de mínimo conhecimento de como formar bom médico. Não há duas medicinas; não há a medicina só para atenção básica ou só para os grandes centros. Formar bons médicos exige professores bem titulados, pesquisa, extensão e centros de excelência de atendimento. Tais exigências não impedem o exercício na atenção básica; pelo contrário, quanto mais recursos, melhor formado.
Nas contas do Ministério não entraram a falta de professores mestres ou doutores, de laboratórios, de unidades modelo que ensinem o que deve ser feito de correto, e não o jeito brasileiro que faz de conta que presta bom atendimento. Faltam programas de residência e hospitais nas novas cidades cearenses credenciadas a receber cursos privados de medicina. A exigência do governo parece ter ficado restrita ao apadrinhamento político, como se curso de medicina sem condições mínimas representasse benefício à população. E talvez falte ainda até quem esteja disposto a arcar com mensalidades além da casa dos R$ 4 mil. As contas se distorcem, a expansão das universidades públicas emperra no corte faraônico de recursos, perde-se a responsabilidade de formar bons médicos. Por fim, parece que só valem dois números: o de médicos e o de votos.
(*) Médico residente de Neurologia – Hospital Geral de Fortaleza.
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 9/4/2015. p.7.

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