Lúcio Flávio
Gonzaga Silva (*)
A Organização
Mundial de Saúde define doença rara aquela com prevalência 65 casos/100.000
habitantes. O Brasil (204 milhões de habitantes) tem cerca de 13 milhões de
portadores.
Monte Santo é uma
cidade do interior da Bahia, um lugar lendário. Ali foi cenário de uma das mais
sanguinárias expedições do exército brasileiro, a campanha de Canudos
(1896-97), onde morreram 20.000 sertanejos e mais cinco mil soldados.
O episódio foi
consagrado em três livros, o primeiro, Os Sertões, de Euclides da Cunha, que
forneceu à história o enfoque técnico, geográfico e antropológico da contenda;
o segundo, do ilustre escritor peruano Mário Vargas LLosa, A guerra do fim do
mundo, que proveu uma versão romanceada dos fatos. Por fim, o terceiro, do húngaro
Sándor Márai, que fascinado pelas narrativas de Euclides, escreveu o seu
Veredicto em Canudos.
Os três livros
contam a história de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, nascido em
Quixeramobim, que arrebanhou para aquelas bandas, nos idos da seca do 1877,
milhares de sertanejos, desassistidos e desesperançados, esperançosos porém de
um mundo melhor. Resultou na fundação de uma comunidade de desgraciosos,
desengonçados e fanáticos religiosos. A diversidade humana coexistia sem
violência, em meio a uma solidariedade e exaltação que os escolhidos não
conheciam.
Foram confundidos
como subversivos que, saudosistas do império, combatiam a república. Armados,
partiriam em direção à capital para depor o governo republicano e reinstalar a
Monarquia.
Monte Santo, hoje
com 52.000 habitantes foi um centro de convergência de todas as gentes
religiosas dos sertões nordestinos, dentre elas muitos doentes que procuravam
cura nos milagres do Conselheiro. A comunidade formada fomentou os casamentos
entre parentes originando as bases do surgimento de doenças genéticas físicas e
mentais.
Pesquisadores da
Universidade Federal da Bahia identificaram em Monte Santo uma alta incidência
de doenças raras: 13 pacientes com Síndrome de Maroteaux-Lamy (deformidades
esqueléticas e baixa estatura), 84 com perda da audição, 12 com hipotireoidismo
congênito, nove com fenilcetonúria. Quatro com osteogênese imperfeita. Todas
consequentes a casamentos endogâmicos. As pessoas procuravam milagres no
Conselheiro. Resultado: “milagre às avessas”.
(*) Professor da
Universidade Federal do Ceará (UFC) e conselheiro do Conselho Federal de
Medicina
Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/11/2015. Opinião. p.7.
Nenhum comentário:
Postar um comentário