quinta-feira, 12 de novembro de 2015

ANTÔNIO CONSELHEIRO E AS DOENÇAS RARAS


Lúcio Flávio Gonzaga Silva (*)

A Organização Mundial de Saúde define doença rara aquela com prevalência 65 casos/100.000 habitantes. O Brasil (204 milhões de habitantes) tem cerca de 13 milhões de portadores.
Monte Santo é uma cidade do interior da Bahia, um lugar lendário. Ali foi cenário de uma das mais sanguinárias expedições do exército brasileiro, a campanha de Canudos (1896-97), onde morreram 20.000 sertanejos e mais cinco mil soldados.
O episódio foi consagrado em três livros, o primeiro, Os Sertões, de Euclides da Cunha, que forneceu à história o enfoque técnico, geográfico e antropológico da contenda; o segundo, do ilustre escritor peruano Mário Vargas LLosa, A guerra do fim do mundo, que proveu uma versão romanceada dos fatos. Por fim, o terceiro, do húngaro Sándor Márai, que fascinado pelas narrativas de Euclides, escreveu o seu Veredicto em Canudos.
Os três livros contam a história de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, nascido em Quixeramobim, que arrebanhou para aquelas bandas, nos idos da seca do 1877, milhares de sertanejos, desassistidos e desesperançados, esperançosos porém de um mundo melhor. Resultou na fundação de uma comunidade de desgraciosos, desengonçados e fanáticos religiosos. A diversidade humana coexistia sem violência, em meio a uma solidariedade e exaltação que os escolhidos não conheciam.
Foram confundidos como subversivos que, saudosistas do império, combatiam a república. Armados, partiriam em direção à capital para depor o governo republicano e reinstalar a Monarquia.
Monte Santo, hoje com 52.000 habitantes foi um centro de convergência de todas as gentes religiosas dos sertões nordestinos, dentre elas muitos doentes que procuravam cura nos milagres do Conselheiro. A comunidade formada fomentou os casamentos entre parentes originando as bases do surgimento de doenças genéticas físicas e mentais.
Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia identificaram em Monte Santo uma alta incidência de doenças raras: 13 pacientes com Síndrome de Maroteaux-Lamy (deformidades esqueléticas e baixa estatura), 84 com perda da audição, 12 com hipotireoidismo congênito, nove com fenilcetonúria. Quatro com osteogênese imperfeita. Todas consequentes a casamentos endogâmicos. As pessoas procuravam milagres no Conselheiro. Resultado: “milagre às avessas”.
(*) Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e conselheiro do Conselho Federal de Medicina
Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/11/2015. Opinião. p.7.

Nenhum comentário:

Postar um comentário