Por Cláudio de
Moura Castro (*)
As escolas acadêmicas têm uma cultura organizacional
hostil a áreas técnicas. Alunos e professores de classe média desdenham essas
carreiras”
Entra ano, sai ano, nossa educação técnica permanece
atrofiada. Como não temos estudos equivalentes. vale notar que nos Estados
Unidos apenas 20% da força de trabalho necessita de bacharelado de quatro anos.
Em contraste, é muito maior a proporção dos que necessitam de algum tipo de
formação técnica ou profissional. Lá, essa formação é predominantemente
oferecida nos Community Colleges, cujos formandos são mais numerosos do que os
bacharéis de quatro anos.
Na Europa, pode chegar a 70% da coorte a proporção de
jovens na idade do ensino médio que cursam formações técnico-profissionais. No
Brasil, dos que se formam no médio, somente cerca de 10% cursaram escolas
técnicas.
Por que estaríamos tão fora dos padrões internacionais?
Há várias causas, mas uma parece predominar. Sendo o ensino técnico uma
combinação de ensino médio com um complemento profissionalizante, pela nossa
legislação, somam-se as 1000 horas de carga horária do técnico à duração
regular do médio. Somos diferentes de todos os países conhecidos, em que as
disciplinas do técnico substituem outras disciplinas do ciclo acadêmico. Ou
seja, obtêm-se os diplomas técnicos com a mesma carga horária do médio regular.
Têm pouca motivação para cursar um técnico os brasileiros
mais modestos e mais pressionados para entrar no mercado de trabalho. Além da
duração excessiva, o currículo do ensino médio é chato, distante e já
hipertrofiado. Resta a alternativa de fazer um ano adicional de estudos. É
absurdo que um aluno, para entrar no ITA, precise estudar 1 000 horas a menos
do que para se formar em técnico de administração.
Neste momento em que se reformula o ensino médio, não
devemos perder a oportunidade de corrigir esse equívoco vergonhoso. Como se
busca limitar os conteúdos da nova base curricular, com o objetivo de
possibilitar uma diversificação nesse nível, a maneira mais prática de resolver
o problema do técnico é considerá-lo como mais uma modalidade de
diversificação.
Se assim for feito, quem optar por um curso técnico
poderá cursá-lo como se fora uma das opções da diversificação – que a nova
legislação tenta viabilizar. Por exemplo, em vez de ciências biológicas ou
humanidades, pode fazer um currículo técnico de eletrônica.
Especialização prematura! Adestramento! Onde está a
formação humanista? A essas críticas bobocas, cabem duas respostas. A primeira:
o currículo técnico equivale a apenas um ano de estudos, em uma escolaridade de
doze. A segunda: assim se faz nos países de melhor educação e com democracia
mais consolidada. Esperamos que a nova lei estimule a adoção de currículos
experimentais, considerando a rápida evolução e segmentação das ocupações
técnicas. Em certas áreas, em um par de anos, o currículo se torna defasado.
Na prática, as escolas acadêmicas têm uma cultura
organizacional hostil a certas áreas técnicas, sobretudo as manufaturas. Alunos
e professores de classe média desdenham ou discriminam essas carreiras. Nesses
casos, é mais apropriado e eficiente que as horas do técnico sejam oferecidas
em outras instituições mais afinadas com o trabalho industrial. Mas essas são
opções que devem permanecer abertas. O espírito da lei deve ser liberdade e
flexibilidade valores que andam na contramão da nossa cultura.
Nem sempre se justifica uma formação profissional de 1000
horas ou até mais. Há inúmeros casos de cursos que podem ser muito mais curtos.
Pela lei, não podem justificar o diploma de técnico, mas estão em linha com o
que o mercado de trabalho valoriza. Portanto, na parte diversificada do
currículo do ensino médio, deverá ser possível incluir programas mais curtos,
sobre quaisquer assuntos que possam enriquecer o perfil profissional dos
graduados. A título de exemplo, o Senai e o Senac oferecem centenas de cursos
profissionalizantes, de duração variada. Entre muitas outras, são
possibilidades interessantes para alunos do médio.
No fundo, o técnico é vítima do mito da “Universidade
para todos” e do preconceito atávico de nossa sociedade contra aquelas
ocupações em que se usam as mãos. Precisamos parar de vender sonhos irrealistas
e ao arrepio do mercado de trabalho. Nesses assuntos, tudo sai torto, porque a
sociedade vê torto.
(*) Economista. Expert em Educação. Articulista
da Veja.
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