terça-feira, 22 de março de 2016

Adam Smith, o autointeresse, a simpatia, Davos e a desigualdade


Por João Soares Neto (*)
A Escócia, parte do Reino Unido, é país bonito, frio e com um inglês bem peculiar, falado pela gente culta, tomando uísque ou cerveja, e até pelos comuns mortais. No século 18, não existia energia elétrica, as estradas - ou caminhos - enlameavam quando das chuvas e petrificavam de gelo nos invernos.
A parca calefação era preocupação individual e sequer havia sido inventada a máquina de escrever. As folhas de papéis, as canetas, os tinteiros e os mata-borrões, afora os livros próprios e os de bibliotecas públicas, eram os únicos recursos de que se serviam os escritores de então.
O escritor múltiplo Adam Smith, filósofo e cientista político, nasceu por lá nesse tempo e, mesmo assim, neste século 21, ainda é referência para ser negado ou elogiado. Não há como negar que ele foi estudioso e queria deixar obras que mostrassem a sua preocupação com a humanidade.
Sua obra capital, publicada em 1776, “Uma Investigação Sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações” ou, simplesmente, “A Riqueza das Nações” é considerada a referência basilar do regime capitalista. Essa obra, uma maçaroca de cinco partes, deveria ser conhecida melhor pelos economistas ortodoxos, heterodoxos, econometristas e outros que tais. “Conhecida” é distinta de “folheada”.
No meu pensar, Smith possui outra obra que considero mais importante para os humanos, da qual os economistas fazem parte. “A Teoria dos Sentimentos Morais” foi escrita em 1759 e trata da moralidade humana que, segundo ele, depende da relação de simpatia entre um indivíduo e o restante da sociedade. Ele faz distinção entre simpatia e “autointeresse”, que tomo a liberdade de traduzir como ganância.
Essa digressão histórica com Adam Smith poderia ser estendida a Karl Marx e a Friedrich Engels, mas é apenas caminho para se chegar neste janeiro de 2016.
Esta semana, na cidade de Davos, Suíça, reuniram-se a burocracia financeira, governos, biliardários e supostas cabeças pensantes do mundo, no Fórum Econômico Mundial. Reúnem-se e se desentendem cada vez mais, pois falta a ´simpatia´ de que falava Smith. Sairão de lá e nem um país relevante mudará uma vírgula da sua estratégia. Os outros, que vão lá fazer número, voltam fazendo declarações à imprensa que, cá para nós, acha interessante visitar essa pequena e rica cidade suíça, em pleno inverno.
Toda a mídia noticiou na semana passada que uma organização não governamental, com sede no Reino Unido, a Oxfam, afirmou que, neste ano de 2016: “62 pessoas possuem tanto (capital) quanto a metade mais pobre da população mundial”.
A Oxfam acredita ainda que o patrimônio acumulado por 1% das pessoas mais ricas do mundo superará, em 2016, o dos 99% restantes. Entrei no site da Oxfam e descobri que ela tem ramificações em 94 países e possui como objetivo a luta pela extinção da pobreza e tornar consciente que cada pessoa deve lutar por seus direitos. Algo assim.
Não sei como foram feitas as contas, se os dados são confiáveis, mas não há como não enxergar a existência de uma grande parcela mundial pobre, para não dizer miserável. Essas 62 pessoas, até o final deste ano, poderão ser donas de 50% de todos os recursos do mundo. Como já foi dito na reunião do ano passado, na mesma Davos, há uma explosão de desigualdade que entrava o duelo contra a pobreza mundial. "A escala da desigualdade é chocante”, afirmou a diretora executiva geral da Oxfam, Winnie Byanyima. Descobriram a pólvora. As armas estão no Oriente Médio.
(*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado, em 22/01/2016.

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