Por Mamede
Filho
De
Lisboa para a BBC Brasil
Milhares de
brasileiros podem obter a cidadania portuguesa como descendentes de sefarditas.
A lei portuguesa que beneficia os herdeiros dos judeus
expulsos da Península Ibérica no século 15 foi aplicada pela primeira vez em
outubro, com a aprovação de três pedidos de naturalização, um deles vindo
justamente do Brasil.
Embora não existam dados oficiais que confirmem o número
atual de sefarditas, diferentes organizações judaicas estimam que haja 3,5
milhões em todo o mundo. No Brasil, eles seriam em torno de 40 mil, dos cerca
de 110 mil judeus que vivem no país.
Mas o número de brasileiros beneficiados pela medida do
governo português pode ser significantemente maior, já que a lei não especifica
que apenas os descendentes que ainda pratiquem o judaísmo sejam contemplados
com a naturalização.
"O critério legal
é a ascendência sefardita portuguesa, não a religião do interessado. Como se
sabe, um segmento importante de pessoas abrangidas pela lei é de descendentes
de judeus sefarditas que foram forçados à conversão ao cristianismo", explica à BBC Brasil o advogado português Rui
Castro, especialista em processos de cidadania lusa e que mantém escritórios no
Brasil e em Portugal.
Em 1496, o rei D. Manuel determinou a expulsão de todos
os judeus do território português. Os que optaram por permanecer no país foram
obrigados a se converter, ficando conhecidos como cristãos-novos. Durante o
período da Inquisição, muitos desses judeus convertidos também foram
perseguidos e forçados a abandonar Portugal, refugiando-se em diversos países,
entre eles o Brasil.
Sobrenomes oficiais
Desde que surgiram as primeiras notícias há
aproximadamente dois anos, de que Portugal e Espanha aprovariam leis que
facilitariam a naturalização dos descendentes de sefarditas, circulam pela
internet listas com milhares de sobrenomes - alguns deles entre os mais comuns
do Brasil - que indicariam a ascendência, mas nenhuma delas de cunho oficial.
Essa lacuna foi preenchida com a publicação do
Decreto-Lei n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro passado, que abriu caminho para a
naturalização dos descendentes de sefarditas, em que a Justiça lusa finalmente
divulgou uma lista oficial com os seguintes sobrenomes: Abrantes, Aguilar,
Almeida, Álvares, Amorim, Andrade, Avelar, Azevedo, Barros, Basto, Belmonte,
Brandão, Bravo, Brito, Bueno, Cáceres, Caetano, Campos, Cardoso, Carneiro,
Carvajal, Carvalho, Castro, Crespo, Coutinho, Cruz, Dias, Dourado, Duarte,
Elias, Estrela, Ferreira, Fonseca, Franco, Furtado, Gaiola, Gato, Gomes,
Gonçalves, Gouveia, Granjo, Guerreiro, Henriques, Josué, Lara, Leão, Leiria,
Lemos, Lobo, Lopes, Lombroso, Lousada, Lopes, Macias, Machado, Machorro,
Martins, Marques, Mascarenhas, Mattos, Meira, Melo e Prado, Mello e Canto,
Mendes, Mendes da Costa, Mesquita, Miranda, Montesino, Morão, Moreno, Morões,
Mota, Moucada, Negro, Neto, Nunes, Oliveira, Osório (ou Ozório), Paiva, Pardo,
Pereira, Pessoa, Pilão, Pina, Pinheiro, Pinto, Pimentel, Pizarro, Preto,
Querido, Rei, Ribeiro, Rodrigues, Rosa, Sarmento, Salvador, Silva, Soares,
Souza, Teixeira, Teles, Torres, Vaz, Vargas e Viana.
A iniciativa, no entanto, gerou críticas, pois apenas o
sobrenome não é suficiente para a entrada com o pedido de cidadania.
"O legislador
cometeu um erro ao mencionar essa lista. Existem nomes que efetivamente estão
estreitamente relacionados a uma origem sefardita, mas, mesmo nestes casos, o
interessado tem de reunir elementos complementares de prova", diz Rui Castro.
Maior rigor
Segundo o Consulado Geral de Portugal em São Paulo, para
solicitar a naturalização é preciso que o candidato comprove laços com uma
comunidade sefardita de origem portuguesa. Isso é possível através de alguns
requisitos que confirmem a ligação com Portugal, como sobrenome, idioma
familiar, e descendência direta ou colateral.
Em países como Turquia, Israel ou Estados Unidos, com um
número considerável de descendentes de sefarditas, a confirmação de um nome de
família e até mesmo do uso da língua portuguesa já pode significar um grande
passo para conseguir a cidadania lusa.
No entanto, o fato de o Brasil ser uma ex-colônia de
Portugal faz com que muitos destes elementos não sejam suficientes para provar
a ascendência, tornando o processo mais rigoroso para os brasileiros.
"Os pedidos de
cidadãos brasileiros que afirmam ser descendentes de pessoas condenadas pela
Inquisição por heresias relativas ao judaísmo não pode ser admitido
automaticamente", admite Michael
Rothwell, porta-voz da Comunidade Israelita do Porto, responsável por emitir o
Certificado da Comunidade Judaica Portuguesa, documento usado para confirmar a
ascendência sefardita no processo de naturalização.
A organização com sede no Porto tem emitido o certificado
apenas para judeus praticantes, o que tem sido criticado pelos advogados
especialistas na naturalização lusa.
"Esta é uma
interpretação errada da lei, não só para a maioria dos juristas que tratam do
tema, mas também na opinião da Comunidade Israelita de Lisboa, que não segue
por este caminho", argumenta Rui
Castro.
"A naturalização
não deve ser condicionada pela halachá (lei judaica), que determina sob seus
específicos critérios quem é ou não judeu. O que deve ser considerado é se o
interessado é descendente desses portugueses que foram forçados a abandonar seu
país e, muitas vezes, suas crenças para continuar vivos.".
Fundador e diretor da Associação Brasileira de
Descendentes de Judeus da Inquisição (Abradjin), Marcelo Miranda Guimarães
defende uma interpretação "sensibilizada" da lei pelos portugueses,
que facilite a naturalização dos herdeiros de cristãos-novos.
"A lei é muito
bem-vinda, mas precisa ser interpretada com consciência e sensibilidade, porque
a maioria desses judeus foi obrigada a se converter ao cristianismo para não
morrer, eram pessoas proibidas de realizar qualquer ritual ligado ao judaísmo", explica Guimarães à BBC Brasil.
"Como podemos ir
a uma sinagoga buscar os documentos dos nossos ancestrais se nem sinagogas
existiam naquela época no Brasil, onde o judaísmo também era proibido? Mas existem caminhos
alternativos. Vários livros relatam as histórias dessas famílias no país,
listam nomes e documentam a realidade da época. Isso deve ser levado em
consideração como prova, porque, se não for, mais de 95% dos descendentes
brasileiros não terão direito a essa reparação",
afirma.
Custos e procedimentos
Depois de levantar os documentos que considerar
necessários para comprovar a ascendência sefardita, é preciso obter o
Certificado da Comunidade Judaica Portuguesa, por intermédio das comunidades
israelitas de Lisboa ou do Porto.
A ausência desse certificado pode ser compensada de
outras maneiras, como com "a
apresentação de registros de sinagogas e cemitérios judaicos, títulos de
residência, títulos de propriedade, testamentos e outros comprovantes de
ligação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da Comunidade
Sefardita de origem portuguesa", de
acordo com o Consulado Português em São Paulo.
Os candidatos têm ainda de ser maiores ou emancipados
face à lei portuguesa e não podem ter sido condenados a crimes com pena igual
ou superior a três anos, também de acordo com a legislação vigente no país
europeu.
Segundo Rui Castro, o custo global do processo nunca será
inferior a 1 mil euros (cerca de R$ 4,3 mil), valor que pode aumentar se for
preciso realizar o levantamento de documentos ou se o candidato optar por
contratar uma assessoria jurídica.
Em contato com a BBC Brasil, o Ministério da Justiça
português informou que até o fim de outubro 250 pedidos de naturalização
estavam em análise, dos quais cerca de 10% correspondiam a cidadãos
brasileiros.
A expectativa, no entanto, é de que esse número cresça
nos próximos meses, impulsionado pelas notícias de que Portugal começou a
aplicar a lei que garante a cidadania aos descendentes de sefarditas.
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