Por João Soares Neto (*)
“A colheita
é comum, mas o capinar é sozinho”. João Guimarães Rosa.
Recebo e leio, com alegria, as 840 páginas que compõem o
“Itinerário- Quarenta e Cinco Anos de Poesia”, do professor, acadêmico,
ensaísta e vate José Linhares Filho.
Nesse longo itinerário, nossas vidas paralelas não se
encontraram no infinito, mas em situações distintas. Primeiro, na Faculdade de
Direito da UFC. É provável que a aridez sensitiva de grande parte da ciência do
Direito o tenha afastado da messe forense. Há, na filosofia do Direito, um quê
de poesia, mas a sua prática destoa dessa ótica e, talvez por tal razão,
Linhares optou pela Literatura como destino. E o fez de forma magistral,
encalçando itinerário com paradas, apurando a sua linguagem poética.
Talvez haja seguido o que asseverava Goethe: “Uma poesia deve
ser excelente ou não existir de modo algum”. Linhares Filho é poeta, sem
adjetivações.
O segundo encontro foi no circuito literário desta cidade, mãe
de tantos poetas e madrinha dos que aqui aportam. Desconhecer Linhares Filho
seria atestar absenteísmo nos movimentos culturais. Ele e Mariazinha, sua
mulher querida, comparecem ao que faz sentido.
O terceiro encontro se deu no ventre da Academia Cearense de
Letras, essa longeva entidade que, em menos de dois lustros, chegará viva ao
sesquicentenário. Com honra e humildade sou seu par nessa Casa onde se destacam
outros poetas, mas todos o respeitam como sol, isento de nuvens.
Há um entrelaçamento da poesia desse filólogo e professor
emérito da UFC com os livros de ensaios que produziu, destacando-se dois sobre
Machado de Assis, dois sobre Fernando Pessoa, um sobre Carlos Drummond de
Andrade e outro sobre Miguel Torga, da pátria mãe.
Linhares Filho não é apenas um baobá da poesia cearense,
percorreu, em passeios públicos, estudados e versificados, as terras de Camões:
“Revisito Lisboa e fruo o seu fado,/ sua História, touradas, seu
encanto/vê tudo o que aqui foi por mim amado./ Da Torre de Belém que eu via
tanto,/mergulho a alma no Tejo e no passado,/ e cada vez mais sonhos acalanto”.
De Goethe: “Um Goethe em Werthe ou um Rilke em Duíno/acho-me a
contemplar o rio passante. Líquida e fria a tarde neste instante,/ em que
procuro o fio do destino./ Há um pathos
que me invade e não termino/a reflexão que turba o meu semblante./De passo tardo
e peito sempre arfante,/margeando o Reno, chego ao desatino”.
De Shakespeare: “Conquanto não lhe tolde o rosto um véu/Como
Lemos cantou a alta princesa,/ em qualquer estação não é inglesa,/ mas
brasileira e, no sentir do poeta,/ portuguesa. O melhor luar, diga-o Catulo-,
só o sertão obtém./Pelo Tâmisa, as horas vão sem meta. Sabe o astro mais que o
rio e o Big-Ben:/O tempo que passou não sobrevém”.
Linhares Filho doutorou-se no Rio de Janeiro de tantos poetas,
entre os quais destaco Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, cabeças de
listas. É o próprio pós-graduado a falar do seu Instante Carioca: “Ao ritmo dos
rechinos das máquinas do metrô,/submissas e estúpidas vão as pessoas./ A
multidão é uma enchente de corpos/ que se derrama nas ruas,/sem destino. Não há
explicação/ para os seus passos autômatos./Uma pressa ríspida/ mistura-se com
estrídulos,/ e cumpre um ritual de buscas inúteis”.
Vou ficando por aqui, enlevado com a qualidade que se fez
presente em todo o percurso do itinerário da vida e da arte de Linhares Filho.
Viva!
(*) João Soares Neto é escritor e
membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado-CE, em 5/02/2016.
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