Equipe de pesquisadores encontrou o túnel no campo de
concentração Ponar (Lituânia) (Ezra Wolfinger/Israel Antiquities Authority via
AP)
Por Nicholas St. Fleur
Uma equipe de arqueólogos e
cartógrafos diz ter descoberto um túnel esquecido, escavado à mão por 80 judeus
enquanto tentavam escapar de um campo de extermínio nazista na Lituânia, há
cerca de 70 anos.
O campo lituano, chamado Ponar,
possui valas comuns onde até 100 mil pessoas foram mortas e seus corpos
enterrados ou cremados durante o Holocausto.
Usando radar e ondas de rádio para
análise sob o solo, os pesquisadores encontraram o túnel, uma passagem de 30
metros entre 1,5 metro e 3 metros abaixo da superfície, anunciou a equipe nesta
quarta-feira (29/06/16).
Uma tentativa anterior feita por uma
equipe diferente em 2004 para encontrar a estrutura subterrânea localizou
apenas a entrada, mas não a deixaram marcada. A nova descoberta traça o túnel
da entrada até a saída e fornece evidência para apoiar os relatos dos
sobreviventes do esforço angustiante para escapar dali.
"O que conseguimos fazer foi não apenas resolver um do maiores
mistérios e uma das maiores histórias de fuga do Holocausto", disse Richard Freund, um arqueólogo da Universidade
de Hartford, em Connecticut, Estados Unidos, um dos líderes da equipe, "mas também desvendar um dos maiores problemas que
tínhamos em um campo como este: quantas valas comuns existem?”
Freund e seus colegas, trabalhando
com a série de ciência "NOVA", do canal "PBS", em um documentário que será exibido no ano que vem,
também descobriram outra vala comum contendo as cinzas de talvez 7.000 pessoas.
Essa seria a 12ª vala comum identificada em Ponar, hoje conhecida oficialmente
como Paneriai.
De 1941 a 1944, dezenas de milhares
de judeus da cidade próxima de Vilna, conhecida como a Jerusalém da Lituânia,
foram trazidos para Ponar e executados à queima-roupa. Seus corpos foram
jogados em valas comuns.
"Considero Ponar o ponto zero do Holocausto", disse Freund. "Aqui
tivemos pela primeira vez o assassinato sistemático sendo realizado pelos
nazistas e seus assistentes."
Segundo Freund, os eventos no local
ocorreram cerca de seis meses antes dos nazistas começarem a usar câmaras de
gás em outras partes para seus planos de extermínio.
Cerca de 100 mil pessoas, incluindo
70 mil judeus, morreram em Ponar. Ao longo de quatro anos, cerca de 150
colaboradores lituanos mataram prisioneiros, geralmente em grupos de cerca de
10.
Em 1943, quando ficou claro que os
soviéticos tomariam a Lituânia, os nazistas começaram a encobrir as evidências
do extermínio em massa. Eles forçaram um grupo de 80 judeus a exumarem os
corpos, cremá-los e enterrar as cinzas. Na época eles eram chamados de
Leichenkommando, ou "unidade de cadáveres", mas nos anos que se
seguiram, passaram a ser conhecidos como Brigada da Cremação.
Por meses, os prisioneiros judeus
escavaram e cremaram corpos. Um relato fala de um homem que identificou sua
esposa e duas irmãs entre os cadáveres. O grupo sabia que assim que seu
trabalho fosse concluído, eles também seriam executados, de modo que desenvolveram
um plano de fuga.
Cerca da metade do grupo passou 76
dias escavando um túnel, no local onde eram mantidos presos, com as mãos e com
colheres que encontraram entre os corpos. Em 15 de abril de 1944, a última
noite da Páscoa judaica, quando sabiam que a noite seria a mais escura, a
brigada se arrastou pela entrada de 60 centímetros do túnel e até a floresta.
O barulho alertou os guardas, que
perseguiram os prisioneiros com armas e cães. Dos 80, 12 conseguiram escapar,
dos quais 11 sobreviveram à guerra e contaram suas histórias, segundo os
pesquisadores.
Freund e sua equipe usaram a
informação dos relatos dos sobreviventes para procurar o túnel. Em vez de
escavar e afetar os vestígios, ele e sua equipe usaram duas ferramentas não
invasivas – tomografia elétrica e radar de penetração no solo.
A tomografia elétrica é como uma
imagem por ressonância magnética, mas para o solo. Ela fornece uma imagem clara
do que há abaixo da superfície. Ela usa eletricidade para identificação de
pedras, metal e argila, assim como perturbações no solo como as causadas por
escavação.
"Nós usamos a ferramenta para determinar os locais onde as pessoas mais
provavelmente abriram um túnel", disse
Paul Bauman, um geofísico da Worley Parsons, uma empresa de engenharia
australiana, que foi responsável pelo manuseio da ferramenta de tomografia.
"Estamos altamente confiantes de que
identificamos exatamente onde está o túnel."
Com a ferramenta, eles também
encontraram uma vala comum antes desconhecida, que acreditam ser a maior
descoberta na área. Eles estimam que possa conter até 10 mil corpos.
A outra ferramenta, o radar de
penetração no solo, usa ondas de rádio FM para sondar até cerca de 3 metros
abaixo da superfície.
"O que estamos fazendo é usar essas ondas de rádio FM, que as pessoas
escutam em seu carro, e as estamos utilizando no solo", disse Harry Jol, professor de geologia e antropologia
da Universidade de Wisconsin-Eau Claire. "Assim
conseguimos reflexos dos elementos arqueológicos ou paisagens no subsolo, de
modo que podemos imaginar o que está acontecendo."
A equipe também usou o radar de
penetração no solo para procurar pela Grande Sinagoga de Vilna, que foi
destruída pelos nazistas.
"O Holocausto é tão esmagador que realmente olhamos apenas para o fim
da história, mas isso não é toda a história",
disse Jon Seligman, um arqueólogo da Autoridade de Antiguidades de Israel, que
também liderou a equipe. "A história
toda é a história dos judeus que viveram nesta área por muitos, muitos séculos."
Antes da Segunda Guerra Mundial,
Vilna era um movimentado centro judeu com mais de 100 mil habitantes. Quando os
soviéticos tomaram a Lituânia, eles construíram uma escola sobre os escombros
da Grande Sinagoga da cidade. Usando o radar, a equipe encontrou artefatos da
sinagoga, incluindo sua casa de banho ritual.
"Se nunca tivéssemos descoberto o túnel, daqui 20 anos as pessoas
pensariam que ele era um mito, e então questionariam: 'o que realmente
aconteceu?'" disse Freund. "Esta é uma grande história de como as pessoas superaram a
pior condição possível e mantiveram a esperança de que conseguiriam escapar."
Tradutor: George El Khouri Andolfato.
Fonte: The New York Times / UOL Notícias, de 29/06/2016. Imagens Pin it.
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