Por José Jackson
Coelho Sampaio (*)
O
poeta, filósofo e reitor da Universidade de Salamanca, Miguel Unamuno, já
idoso, viveu uma experiência trágica, que precipitou o fim de sua vida. Diante
da saudação “Viva a Morte”, do general Millán Astray,
um dos líderes do franquismo, na Espanha, da década de 1930, por ocasião de uma
cerimônia universitária, o reitor não pode ficar calado.
Sintetizo
o que ele disse: “acabo de ouvir um grito
insensato, um ridículo e repelente paradoxo; o General Astray é um inválido de
guerra, também o foi Cervantes; o que atormenta é pensar que o General Astray
possa ditar normas para a psicologia das massas; de um mutilado que careça da
grandeza espiritual de um Cervantes, é de esperar que encontre um terrível
alívio vendo como se multiplicam os mutilados em seu redor”.
Vivemos
tempo de mutilados físicos, morais, psicológicos, espirituais. Se a violência é
uma possibilidade humana, experimentamos, hoje, uma estrutura social que a
estimula, a glamouriza e a consolida, nas guerras de exploração, nas vinganças
terroristas, nas psicopatias individuais, estrelando séries de televisão,
onipresente no telejornal diário, na oralidade vaidosa de populistas, no
comportamento de lideranças políticas sem qualquer natureza de grandeza.
Há
uma demagogia perigosa, por exemplo, no substantivo “bolsonaro” e no verbo
“bolsonarizar”. Não parece existir forma de evitar o surgimento do fenômeno,
mas como construir os equilibradores políticos, sociais, econômicos e éticos,
os contrapesos capazes de desarmar o perigo, transformando-o em sombra de
farsa? Este é nosso desafio de cidadania.
Em
breve escolheremos prefeitos e vereadores, os síndicos da casa pública mais
próxima de nossa vida cotidiana. Desejo que a alegria, a liberdade e a
esperança não sucumbam diante da insatisfação, do imediatismo individualista,
da falta de informação orgânica, não da pletora da informação repetida como
saraivada de slogans, profundamente manipulada. Que nosso modelo seja
Cervantes, nestes quatrocentos anos de seu Don Quixote.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O
Povo, Opinião, de 4/8/16. p.10.
Nenhum comentário:
Postar um comentário