Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Em
que nos faz pensar a celebração deste dia? Recobramos, hoje, a ideia da
fundação do Estado e da nação brasileiros, consolidados constitucionalmente - e
a vemos, mais uma vez, confrontada com um passado dominado por hesitações e
arranjos, falsas visões e perigosas perspectivas presumidas. Planos, tivemo-los
e não foram poucos, burocráticos na forma e limitados em sua essência.
Faltou-nos
um projeto político consistente: as boas intenções, raras e encabuladas,
feneceram à sombra de partidos negligentes e ineptos, espécie de sindicatos de
interesses fechados, “coronelismo” rural que se urbanizou e assumiu feição
moderna, embora tenha conservado a velha receita, de lastro weberiano, de
solidariedade e proteção, compromisso e lealdade. Tornamo-nos modernos, com a
prudência de quem não arrisca passos audaciosos: criamos instituições que não
respeitamos, forjamos complexo aparato constitucional que desdenhamos, na
prática jurídica e legislativa.
Ocorreu-me,
por tudo isso, exumar do esquecimento, neste 7 de setembro, a memória apagada
de um personagem real, respeitável, de nossa História. José Bonifácio de
Andrada e Silva foi o primeiro brasileiro ministro de Estado, na regência de
Pedro, antes da Proclamação da República. Muitas de suas notas e reflexões, em
escritos e correspondências, conferências e debates, antes e depois de seu
ministério fugaz, revelam preocupação com os aspectos arcaicos da visão
corrente sobre o Brasil. Nelas estão os traços mais significativos da
personalidade de Bonifácio, artífice do Estado republicano brasileiro e não só
o seu patriarca.
Neles,
ao lado da publicação de textos oficiais de governo, descobrimos a visão de
José Bonifácio sobre questões variadas, muitas das quais aguardam, ainda hoje,
encaminhamento adequado. Enfatizou ele um conjunto de circunstâncias sociais,
econômicas e políticas, que lhe pareciam frear o progresso do País, a exigir
solução: a redução dos latifúndios, a distribuição das terras improdutivas e o
incentivo à pequena propriedade; a promoção da miscigenação do povo brasileiro,
de modo a integrar todas as raças e modelar uma “cultura” comum; a abolição da
escravatura e a adoção da mão de obra remunerada, a instauração do ensino
público… Imaginava algumas regras para que o Estado fosse preservado e
florescesse: a observância das leis (diminuí-las em vez de as aumentar);
igualdade de justiça; sistema justo de arrecadação e despesa (teria previsto as
“pedaladas fiscais”, em seu zelo?); que à lei não escapasse o “que furta por
comissão ou omissão”; que não se abstivesse o governo de “castigar o duque, o
desembargador, o general e o sapateiro”. Que a liberdade de imprensa só se
submetesse à lei, “ex post facto” e não “ante factum” (a identificação de responsabilidade
faz-se por meios legais, “a posteriori”).
Transcorreram
mais de 200 anos, aqui estamos nós a contornar, nestes derradeiros nove meses,
as mesmas previsões e temores, a rejeitar as medidas necessárias para o desate
do nó górdio político do País, no doce arrimo das combinações de governo e das
ambições partidárias.
(*) Cientista
político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O
Povo, 7/09/16. Opinião, p.10.
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