Pedro
Henrique Saraiva Leão (*)
Quisera
escrever uma crônica dezembrina, mas sem os cediços chavões sazonais. Sem neve,
renas ou papai Noel. Sem trenós, apenas carros-pipa. Não havia avelãs,
pinheiros, mas xiquexique e mandacarus. Viera encontrar-se com um rio
prometido, dele beber, nele banhar-se. Também para transformar o agreste em
pomar. Recolher facas e distribuir pão. Vinha de longe... tangendo velhas
ovelhas, cavalgando trôpego pangaré. Ambos macérrimos, costelas à mostra.
Pendendo de longo cacete de jucá, ostentava puído “lábaro” estrelado (bandeira,
estandarte, enunciado na confusa letra do nosso hino nacional, o povo cantando
sem entender).
Apresentava
profundos vincos no rosto, quais talhados a golpes de faca. Suara muitos sóis,
irrigando aquele chão gretado. Muitas luas prateavam seus cabelos. Transpirava
o sangue do sofrimento. No gibão de couro tocos de pão, nacos de fumo, pedaços
de rapadura e resto de farinha, lembravam o estirão percorrido. Lutara contra
seca, aluvião, fome, fauna e flora, enfrentara leões, moinhos de vento,
desafiara a sorte, o amor e a morte. Provara até “um certo contato com a lua”,
evocando o poeta Antônio Girão Barroso. Escapara de areias movediças. Bárbaros
e bérberes. Fora picado por três cobras que criara; indabém que Deus, ao
concebê-lo, vedara-lhe o corpo para os vírus, vícios e venenos da vida.
Peregrinando por ínvias vias, atravessara rios, vadeara riachos, escalara
serras, penedias e noites sem fim.
Certa
feita, embora cogitando desistir, descumprir promessas, pedir meças ao homem lá
de cima, pensou mais. Carregando sua cruz, preferiu aguardar o último trem.
Esperar, ia. Acreditava valer a pena, pois tinha a alma grande. Só, carecia de
mais paciência. Tê-la-ia! O tempo não tarda, e tem todo o tempo para esperar.
Sabia que vida é véspera. Aliás, a água da chuva não era preta como aparentavam
as nuvens.
Deste
provérbio africano lembrava-se sempre o professor Newton Gonçalves, na
Faculdade de Medicina do meu tempo (1958-1963). Cuidava agora fosse nascer de
novo, nova mente. Vencidos os demais perigos da existência, as incertezas das
esquinas, o desamor dos amigos, os desacertos do destino, domadas as dores da
consciência, chegava, afinal.
Não
soaram sinos à sua chegada, mas balidos de ovelha, e guizos de cascavel. Bois
berravam o contraponto. Não trazia ouro, mas pedaços de mica, e galhos de mirra
por incenso. Contudo, trazia esperança. Viera adorar o divino infante Jesus,
terno, tenro e eterno ramo de fé, para plantarmos no coração e embalar nos
nossos braços cansados. Lembrou-se do retorno dos mortos para a ceia natalina –
“e o que lhes iremos dizer? / aos mortos, quando chegarem? / o que, meu Deus! /
os teus segredos, os meus?”. Chorou. Amanhã seria outro dia. Sorriu. Pecaríamos
menos e amaríamos mais. E nossos pecados serão perdoados. Aleluia! Feliz Natal!
N.b. Os
versos aspeados são de “meus eus”. Edições UFC, Fortaleza, 1994.
(*) Professor Emérito da UFC.
Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 21/12/2016. p.10.
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