domingo, 5 de fevereiro de 2017

RETRATOS DA BELA MULHER


Por Ângela Gutiérrez (*)
A bela mulher de cabelos brancos e fartos e cabeça erguida guarda no peito a bebezinha rechonchuda que o pai levanta no ar com uma mão, a menininha azougada que olha de lado e sorri marota, a menina compungida em seu vestido de primeira comunhão, a moça que se apoia elegantemente sobre o piano de cauda, a recém-casada que vai ao cinema com o marido amado, a jovem mãe com cada um dos sete filhos...
Criança, olho os retratos de minha mãe com fascinação. Retratos em preto e branco. Cada um me conta uma história. Rio-me a valer da menininha de cabelos negros em caracóis, que cabe na concha da mão do elegantíssimo pai. Como é possível que minha mãe tenha sido um dia tão pequenina! O menino e a menina louros ao lado do pai são meus tios. Que graça!
Ah, já entendo por que Mamãe era chamada de Joãozinho em casa. A menina de sorriso maroto só podia mesmo ser danada como um menino. Quando olha o retrato da Mamãe apoiada no piano, Papai diz que essa moça de dezesseis anos prendeu seu coração. Mamãe sorri.
No retrato da Mamãe com as duas filhas, não me reconheço na mimosa menina de um ano, com laço de fita nos cabelos e pulseirinha de ouro no bracinho bem torneado como os de anjinho de cartão-postal. Ao olhar-me no espelho, vejo somente uma menina tão magrinha, de seis anos.
Há muitos anos os retratos da Mamãe são coloridos e se multiplicam em muito mais de mil pelo talento da sobrinha que adora tirar fotos dos tios Luciano e Angela: ele toca violão, imagino que canta: “Enquanto eu viver, você será o meu maior bem-querer” e ela sorri. O casal dança... dança abraçado até os primeiros anos do novo milênio. Depois vejo Mamãe vestida de negro, com uma flor branca no casaco e ar desamparado.
A bela mulher de cabelos brancos e fartos e cabeça erguida completa hoje cem anos, em festa de amor, rodeada de filhos, netos, bisnetos e trinetos... Guarda no peito a bebê, a menina, a mocinha, a moça enamorada, a jovem mãe, a senhora de mãos dadas com o marido, o casal que dança e dança...
(*) Filha de Ângela Laís Pompeu Rossas Mota. Professora aposentada da UFC. Membro da Academia Cearense de Letras e sócia do Instituto do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo. Fortaleza, 3/2/2017. Opinião. p.8.

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