Médico-Psicoterapeuta
A ansiedade pode ser sinal de coisa boa?
Desde que o mestre Sigmund Freud afirmou ser a causa das neuroses, ela
passou a ser vista como maligna, quando deveria ser considerada como uma das
defesas para a perpetuação da espécie.
Os dicionários definem ansiedade como uma sensação de aflição, receio ou
agonia, sem causa aparente; inquietação ou impaciência acarretada por desejo ou
vontade, traduzido por um estado afetivo penoso, pela expectativa de algum
perigo que se revela indeterminado e impreciso, e diante do qual o indivíduo se
julga indefeso. A maioria dos psicólogos considera a ansiedade como uma atitude
emotiva concernente ao futuro, marcada por vaivém entre o medo e a esperança.
Acredito que qualquer que seja o conceito atribuído, ele deveria ser
encarado de outra maneira, antes de ser tido como patologia. A ansiedade muda
com o “espírito da época”, ou seja, com o conjunto da atmosfera intelectual e
cultural vigente, em determinada fase da História. Os exemplos são numerosos.
No século passado, por exemplo, a ansiedade estava associada ao problema do
holocausto atômico - o Day After, tema que atemorizava a todos.
Passada a Guerra Fria, a ansiedade ficou associada à questão do
desemprego, das crises econômicas, dos terremotos, do aquecimento global, da
poluição, do terrorismo, da violência, das migrações, das guerras localizadas,
entre outros problemas que sensibilizam ou venham a sensibilizar. E os meios de
comunicação, em particular, sabem como ninguém comandar as ansiedades da
ocasião.
Considerando-se a ansiedade, por si só, creio que, para o homem das
cavernas, o medo do aparecimento do tigre de dentes de sabre deve ter sido bem
mais estressante, do que hoje, o medo dos assaltantes e bandidos. O mecanismo
referente ao estresse permanece o mesmo. Em outras palavras, diante do perigo,
todos nós somos iguais. O grau de resposta é que varia de uma pessoa para
outra.
No século XVI, o maior medo era o de ser queimado vivo, por problemas de
crenças religiosas (como a Inquisição), dívidas, ou doenças como a peste negra.
Quanto aos açoites e torturas, estes permanecem no tempo. O medo de errar, de
se sentir culpado, frustrado ou envergonhado, fazem parte da condição humana.
Desconheço civilização onde alguém sobreviva sem sentir algum grau de
ansiedade. Contudo, ela passa a ser um problema quando atinge um estado
psíquico de intranquilidade permanente, de agitação, de temor diante de uma
ameaça real ou imaginária. Ainda assim, só será problema para quem acha que ela
é um problema. E esses não estão adaptados para viver a vida de uma maneira
menos ansiosa (devido a causas psíquicas ou fisiológicas). Será que os
evolucionistas não percebem que, na luta vital contra os predadores, a presença
de indivíduos, apontados como ansiosos, foi decisiva? A ansiedade foi e
continua sendo uma necessidade adaptativa à sobrevivência da espécie. O
problema é saber delimitar seu diagnóstico. Faz-se necessário cuidado com as
rotulações do poder médico. Quantos gênios não estariam confinados em
manicômios, se a ansiedade fosse considerada uma patologia?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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