Há mais de uma vintena de anos, há um lugar,
pras bandas da serra, em Guaramiranga onde amiúde recarrego minhas baterias
intelectuais e mesmo espirituais: o sítio “Manamô”. Ali, em sossego leio/releio
algumas páginas, com as lentes do presente, e ouço de novo aquelas músicas, com
os ouvidos de hoje. Lá estivemos, proximamente por quatro dias, e revimos
vários amigos, em meio a obras de arte, alguns a nos sorrir. Sozinho, pude
dedicar-me a mim.
Vencendo algum cheiro a mofo em livros idosos, reli
alguns excertos (trechos) do poeta romano (Publius) Ovidius (Naso) – 43 a.C. /
17 a.D. – na sua “Ars amatoria” / “Liebeskunst”, pois em edição bilíngue alemã
(Reclam, Stuttgart, 1992). Recordamos passagens imorredouras da “Crestomatia”,
(= estudo das coisas úteis), de Radagásio Taborda, e da “Antologia Nacional”,
de Fausto Barreto e Carlos Laet. Vagamos por alguns sonetos de Shakespeare,
Camões e Manuel Bandeira; revisitamos um conto de Moreira Campos, e conhecemos
alguns do norte-americano Ray Bradbury, autor de “Fahrenheit 451”. Chovia, de
mansinho, regando-me os pensamentos.
Como contraponto ao gorjeio dos pássaros, reproduzi o
concerto para violino em ré maior (Op.35) de Tchaikovsky, consoante alguns
devotos, um dos melhores do século XIX, cotado entre os mais respeitados da
literatura musical russa. Conclamei outros em ré para violino (Op.77) de Brahms,
e de Stravinsky (+1971), este executado por Isaac Stern (nosso conhecido do
Theatro José de Alencar) cujo autógrafo guardamos, desde 1958, como de outros
artistas primaciais (eminentes) que por aqui aportavam. Soaram a Suíte no 2 de
Bach, o Adágio do Quarteto (Op.111) de Beethoven, Mozart, o (Op.16), de Grieg,
a serenata para cordas (Op.22) de Dvorák, escolhidos Vivaldis, as sinfonias II
e IV de Mahler, e “A igreja majestosa”, do nosso maestro Wagner Tiso.
Compositores menos evidentes fizeram-se ouvir: os tchecos
Bohuslov Martinu (+1959) e Alois Hába (+1973); Paul Hindemith, Arvo Part
(+1935), Johan (Jean) Sibelius (+1957), Benjamin Britten, inglês (+1976), os
ianques Charles Ives (+1954), e Philip Glass (+1937), e dois portugueses
desconhecidos no Brasil: Freitas Branco (+1955), e Joly Braga Santos (+1988).
Do século XVII deleitei-me com John Dowland, William Boyd, Orlando Gibbons, e
das duas centúrias seguintes com Froberger, George Muffat (+1704) e Haydn, na
sua comovente “Die Seiben Letzen Worte unseres Erlösers Am Kreuze”.
A memória pode estar me traindo agora. Contudo, lembro-me
de George Gerschwin, na arrebatedora “Rapsódia Azul”, regida por André Previn.
A noite caíra, e ao longo de gotas homeopáticas do velho Parr, outras estrelas
brilharam, ruminando recordações: Marian Anderson (negro spiritual), Sammy
Davis Jr, Keith Jarret (“The Köln Concert”), Frank Sinatra, Chico Buarque (ou
quem compôs pra ele!), Dave Brubeck com Paul Desmond, Star Getz (tocando
“Misty”, de Errol Garner, e “Ligia”, de Tom Jobim) Maria Bethânia, o conjunto
“Ink Spots”, “plus” Gonzaguinha. Ao dia seguinte, fazia 19°C em Guaramiranga,
sob aquele nevoeiro (“fog”, em inglês) a cavalgar os morros, aquele guarafog.
Voltamos.
(*) Professor Emérito da UFC.
Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, 14/06/2017.
Opinião, p.14.
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