Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Texto de um Facebook(*)
“Essa semana uma amiga
passou mal, foi levada a emergência e enquanto tava sendo medicada não parava
de pensar nos textos que precisava ler e no quanto não podia adoecer
simplesmente pq precisava se esgotar entre mestrado, graduação e estágio. Tem
uns dois semestres que eu venho inventando força do além pra não surtar, não
enlouquecer enquanto luto contra a depressão trabalhando dez horas por dia,
fazendo graduação e me preparando pra uma pós. Todo semestre alunos trancam
cursos pq ou priorizam sua saúde mental e abandonam o curso ou se matam. Todo
fim de semestre estudantes universitários movimentam o mercado de remédios
controlados pra ficarem acesos pras provas. Todos fins de semestres alunos têm
crises e mais crises de ansiedade, depressão e pânico por precisar da conta de
uma rotina enlouquecedora de provas e afins. Mais da metade dos meus amigos da
faculdade desenvolveram algum transtorno psíquico durante o curso. O TCC e o
exame da ordem adoecem e enlouquece mais da metade dos alunos de direito.
Hoje, um rapaz no meio
de ataque psíquico ameaçou explodir com bombas (que depois foi comprovado que
não era nada mais que balas de gengibre) o local onde iria ser realizada a
prova da OAB. Hoje algumas centenas de pessoas passaram pelo pior dia das suas
vidas, acharam que morreriam, tiveram crise de pânico e desespero.
Hoje quem surtou foi o
tal “homem bomba”. Mas, hoje poderia ser qualquer um estudante universitário
que se vê sobrecarregado com dinâmicas e pressões mil sobre o presente e sobre
a necessidade de ter respostas e soluções mágicas do futuro. Más, amanhã quando
a poeira baixar o sistema de educação universitária vai continuar surtando e
adoecendo tantos alunos. Já passou da hora de reavaliar os métodos educacionais
atuais".
(*) Post editado por
faltar certeza sobre as causas do suicídio do colega e enviado por um pai de
uma jovem.
*****
Não
estou aqui desejando fazer autobiografia sobre a minha experiência pretérita de
Pediatra ou Psicoterapeuta de Jovem, porém acredito ser pertinente este artigo
que acabei de escrever.
Qual
a responsabilidade das pessoas de gerações anteriores, ainda vivas?
A
pergunta refere-se ao encargo que cada um tem com relação ao mundo que deixa
para a posteridade. Ou se continuaremos, depois de partir, a influenciar as
pessoas pelas quais fomos responsáveis.
O
conhecimento que passamos aos que ficam, a impressão do formato das ideias que
transmitimos, na intenção de fazer com que os fulanos permaneçam comprometidos
são a nossa responsabilidade para com um mundo pelo qual não somos mais
responsáveis. Independentemente de crermos ou não na vida após a morte.
A
geração atual passou pela infância, adolescência e entrou na idade adulta
habitando um planeta digital e nós, que desconhecíamos esse planeta, não
tínhamos nada para comparar seus méritos ou vícios com os avanços tecnológicos.
O
meu GPS não estava pronto e aprendi a viver com ele. Como a linguagem da
informática não foi minha língua materna, falo com sotaque, mas me comunico. Se
os jovens não forem alertados a tempo, a quantidade absurda de informação
poderá tornar-se muito perigosa para a soberania pública. É bom lembrar que
temos ainda a esperança de que, em certo momento, uma probabilidade
fundamentada na facilidade digital nos permita alcançar algo que possa pôr fim
às excentricidades e futilidade deste contemporâneo cibernético…
O
mundo só pode andar pra frente. Não valeria a pena chegar aos setenta, agora
aos mais de oitenta anos, se toda a sabedoria do mundo fosse tolice acumulada.
Aprendi como médico psicoterapeuta não negar a ninguém a religião, se nada
melhor existe para pôr no seu lugar. De qualquer maneira, nós somos o que
fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos quando fazemos.
Nos dias que não fazemos, apenas duramos e então, perdemos a razão de viver.
A
responsabilidade do idoso (não confundir com velho) é, enquanto possível,
tentar instruir, educar, exemplificar, a partir de nossa vivência, os que irão
prosseguir na jornada e nunca ‘dizer no meu tempo’, pois o tempo é o mesmo
enquanto vivo formos velhos, moços ou crianças. Enquanto vivos, temos essa
obrigação. No entanto, existem três tipos de pessoas cuja vida não merece este
nome: as de coração mole, as
de coração duro e as de coração pesado.
Concluo
dizendo que cada geração trabalha pelos seus cômodos e felicidades e desconhece
que na verdade vive para as gerações seguintes. A vida responsável não termina
quando se morre. Lembro uma coisa: o tempo da vida é o tempo da memória. E tem
mais, às pessoas respeitam quem se respeita a si mesmo. Jamais devemos perder a
capacidade de nos indignar.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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