sexta-feira, 11 de agosto de 2017

CAMPEÕES DO MUNDO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Somos os campeões, no mundo das cesarianas: no Brasil, 80% dos partos realizados pela clientela dos planos de saúde são por cesariana. No Sistema Público de Saúde (SUS), esse índice é bem mais baixo: 26%. Mesmo assim, está acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, alguma coisa deve estar acontecendo com nossas gestantes, com o Sistema de Saúde, com os médicos, com a formação profissional, ou, além disso, com grande interesse comercial.
Das menores às mais importantes maternidades, as estatísticas apontam para um número crescente de nascimentos por via abdominal, quando a via natural de nascimento é a vaginal. E observa-se que tal tendência só vem aumentando. Isto dá margem à publicação de inúmeros trabalhos especializados, irritantemente repetitivos, e pior: que não apontam soluções.
As cesarianas, como qualquer procedimento médico, têm indicações e contraindicações. Quando assisto a um comercial - que apresenta uma bela senhora (com um biotipo completamente diferente da maioria de nossas gestantes), sentada em uma confortável poltrona, e afirmando que o parto normal é maravilhoso, que ela teve um casal de gêmeos através de um "parto normal" - fico pensando se, não seria melhor, trocar a designação correta de parto normal para a de parto espontâneo. É importante se saber que gestação não é doença. O Ministério da Saúde divulga a informação, bem como a necessidade de que todos partos, quando possíveis, devem ser espontâneos.
Em se tratando de propaganda, a rádio BBC de Londres divulga, no tocante aos hospitais da cidade, a seguinte notícia: 'Médicos humanizam cesarianas para torná-las menos traumáticas'. A reportagem é de Flávia Mantovani, da Folha de São Paulo, em 24.12.08, às 15h47min. Apesar de os índices de partos cesarianos, na Grã-Bretanha, serem muito mais baixos que os brasileiros, os ingleses estão tentando realizar uma cesariana mais light. Neste sentido, melhoraram as salas de cirurgia, e o ambiente foi todo montado, artificialmente, para simular o momento sublime do nascimento. Acende-se, apenas, o foco de luz da lâmpada do aparelho operatório, na sala reina o máximo de silêncio possível, e a única voz que se ouve, de vez em quando, é a do cirurgião, sussurrando à mãe-paciente sobre os procedimentos realizados. (...) O bebê é retirado, com muita calma, de modo a simular as condições de um parto normal, seus pulmões são comprimidos, gentilmente, de forma similar à ocorrida no canal vaginal, mediante as contrações, e que ajuda a eliminar o líquido amniótico. O contato com a mãe e com o pai é o mais precoce possível.
Em cinquenta anos de prática da Medicina, como neonatologista, eu realizei esses mesmos procedimentos, no Hospital Agamenon Magalhães pertencente ao então IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários). Os jovens que comigo trabalhavam aprenderam, também, a fazer tais procedimentos. E jamais alguém fez qualquer propaganda do nosso trabalho. Nos dias de hoje, observa-se a existência de luminares da obstetrícia, cobrando uma verdadeira fortuna por um parto humanizado (ou uma cesariana humanizada). E eles são endeusados, fantasticamente, pelos meios de comunicação de massa. Vale ressaltar que a Medicina já nasceu humanizada. Falta, somente, tornar os médicos mais humanos.
Sei que esse tema é muito antigo, mas, repito sempre: não existe um assunto esgotado e, sim,, homens e mulheres cansados. Faz-se necessário melhorar o pré-natal, os cuidados maternos, as instalações hospitalares, o atendimento médico, e, então, o número de partos por cesariana irá diminuir, automaticamente. No Brasil, temos um dos maiores índices de mortalidade materna do mundo. Portanto, não dá para não perguntar: Será que não há, por acaso, algo de podre nesse reino?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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