Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Este texto contém
fragmentos de anotações, e uma conversa, entre fetos gêmeos, que escutei pouco
antes de seu nascimento.
Os fetos cresceram rápido, principalmente, nos
últimos três meses. De lá para cá, aumentaram suas necessidades alimentares,
mas, a placenta ficou insuficiente para nutri-los. Até o morno e gostoso
líquido amniótico, começara a baixar de nível. Como todos e quaisquer fetos,
eles teriam que deixar o paraíso uterino. Vir ao mundo era seu destino. Ambos
intuíam, desde cedo, sem saber a razão: nascer poderia ser a primeira e mais
desastrosa de todas as adversidades.
No início, ainda nos estágios de ovo e
embrião, a vida lhes sorria. Nove meses era tempo demais! Para que se importar?
Entretanto, como tudo na vida tem sua hora, os nove meses haviam passado e,
dentro em pouco, eles seriam desalojados. Foi aí, que o gêmeo maior, mais ativo
e valentão confessou:
- “Sabe mano, estou com medo de nascer! Tenho
pavor de saber que vou ter que nascer! O pior é que não sei como é lá fora:
sofro de fobia do desconhecido!”
O outro gêmeo mais franzino, calado e
circunspeto ouvia em silêncio a confissão do irmão. Apesar das dúvidas,
procurou acalmá-lo e, dessa forma, diminuir seus próprios temores. E, buscando
demonstrar equilíbrio, disse:
- “Não permanecemos neste útero tanto tempo,
por mero acaso! Algum motivo deve haver! Começamos como ovo, passamos pela fase
de embrião e, agora, somos fetos! É o nosso ciclo vital!”
O gêmeo valentão ressaltou: - “O que haverá
depois de nascermos? Nada!” E concluiu, envergonhado: - “Tenho pavor do escuro!”
O feto menor, acostumado a ver o maior levar
vantagem em tudo, retrucou:
- “Calma, irmão feto! Você não percebeu, diversas
vezes, movimentos e ruídos estranhos vindos lá de fora, que paravam ou
diminuíam quando, nós dois, revoltados, mexíamos ou dávamos pontapés na barriga
da mamãe? Você, ainda mais do que eu, e que, só assim, tais coisas cessavam ou
diminuíam? Um fenômeno parecido com aqueles clarões que incomodavam nossos
olhos, e quando nos movíamos, irritados, durante os vários ‘porres’ que
tomávamos, sem querer, nas ocasiões em que nossa mãe bebia!”
O amedrontado valentão adicionou:
- “Será que, quando nascermos, haverá algo do
outro lado? Eu não acredito! Esses sinais nada provam! Como poderei viver sem a
placenta, sem o líquido amniótico, sem a quenturinha do útero e tantas
mordomias? Estou perdido! Acho que vou sentir mais saudades da Dona Placenta!
Tempos bons esses agora que vivemos!”
Enquanto os fetos dialogavam, ruídos estranhos
se sucederam, os barulhos e contrações ocorreram, cada vez, com mais frequência
e intensidade, e o mar amniótico secou. O pior eram as contrações, cada vez
mais fortes e frequentes. Algumas eram tão intensas, que parecia que o mundo
vinha abaixo! Sufocação! Asfixia! Quase não se tinha mais fôlego! A agonia era
insuportável! Os gêmeos se olharam apavorados: chegara, afinal, o momento de
conhecer a verdade!
O mais calmo dos dois falou: - “Eu vou
primeiro!” Seguiu, então, por um túnel escuro e misterioso e, nele,
desapareceu. O feto valentão alimentava esperanças de não nascer. Dizia para si
mesmo: “Se ficar bem quietinho, eu escapo de nascer!” Enquanto
pensava assim, deu-se um empurrão tão potente que, por mais que lutasse para
ficar, terminou escorregando pelo orifício escuro. Aquele mesmo em que seu
irmão menor desaparecera. Finalmente, os gêmeos nasceram!
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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