Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O
rio Parnaíba, também conhecido como Velho Monge é um rio brasileiro que divide
politicamente os estados do Maranhão e do Piauí. É o maior rio genuinamente
nordestino sendo navegável em toda sua extensão e, como já é sabido, no
Nordeste grassa a verminose e a fome ancestral. A população alvo (escolhida)
foi habitante das regiões ribeirinhas desse rio. Não podíamos entender a causa
da ausência da fome ancestral causada pela falta de proteína em determinadas
populações, principalmente nas crianças, justo em determinadas localidade de
pescadores.
O
produto a ser testado era um anti-verminótico polivalente, dose única, o que
tornava a pesquisa de campo bastante factível. A aplicação erradicava a maioria
dos parasitas intestinais e tinha a vantagem de ser administrado à vista do
pesquisador, índice de abstinência máxima. Seis meses depois far-se-ia o
controle com base no exame de fezes realizado antes da desparasitação... Bastariam
comparar o percentual de vermes entre as duas amostras de fezes.
Há
grande prevalência de verminoses, principalmente por áscaris lumbricoides
(popularmente conhecido como lombriga, chegando até 40 cm de comprimento).
Estimativas sugerem que, em todo o mundo, mais de 1 bilhão de pessoas sejam por
elas contaminadas. Por segurança, tornamos seis meses depois e aplicamos uma segunda
dose para testar a segurança e o efeito da desparasitação. Passaram-se doze
meses da segunda dose, quando a equipe de sanitaristas retornou para novos
exames de fezes, conforme reza o protocolo da investigação e, para surpresa dos
pesquisadores, foi recebida inamistosamente, principalmente pelos anciões das
aldeias avaliadas.
Havia
um costume passado de geração a geração dos pais levarem os filhos e filhas
para a pescaria: piau, mandobé, matrinxã, branquinha e outros peixes dos quais
o rio Parnaíba era piscoso (não sei agora). As crianças iam com seus genitores,
ordenadas a fazer cocô na hora da pesca. Fezes estas ricas em lombrigas. Ótimas
para tornarem-se iscas vivas.
A
desnutrição proteica alastrava-se entre as crianças e até em alguns adultos. Em
lugar de melhores condições de vida, a condição daqueles marginalizados havia
se agravado, pois, junto com a ausência de vermes, veio à desnutrição por falta
de proteína; assemelhada à das demais da região avaliada. Pergunta vai,
pergunta vem, consegui traduzir para o inglês o que os habitantes reclamavam
dessa missão da Organização Mundial de Saúde. No entanto, patrocinado pela
Organização Mundial da Saúde, iniciou-se um programa para a erradicação da
verminose no vale do rio Parnaíba.
“Eu também quero a volta à Natureza; mas essa
volta não significa ir para trás, e sim para frente” (Friedrich Nietzsche,
1844-1900) ou, como está escrito em determinadas propagandas sobre a ecologia
ou desenvolvimento sustentável: “Você deve sempre cuidar da natureza, mas não
espere dela maiores considerações”. A fome proteica grassou idêntica à das
crianças que moravam longe do rio. Nada contra os ecologistas e o
desenvolvimento sustentável. Porém, cautela com a Natureza, pois nem sempre ela
corresponde às vontades humanas... Nietsche tinha razão.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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