A gente percebe que a questão está muito centrada no celibato. Será que se poderia deslocar o enfoque para além do celibato?
Dom
Aloísio Lorscheider marca nossa vida, por suas palavras, seus gestos ou
simplesmente por ter estado presente na vida da gente: ele se fez um sinal de
unificação e pacificação, colocava o ser humano em primeiro plano, valorizando
a prática da escuta e do olhar do outro, base de toda a sua ação pastoral.
Dedicarei estas linhas à relação de dom Aloísio com os
“padres casados”, assunto insistentemente evitado por grande parte da
hierarquia eclesial e pelo clero em geral.
Em 1983, dom Aloísio participou do “V Encontro Nacional das Famílias dos padres casados”, em Fortaleza.
Assim iniciou sua palestra: “Falarei como irmão que fala aos seus irmãos.
Importante não me parece ser reintegrar ou não a vocês no ministério
sacerdotal. Não é o exercício do ministério que liberta e salva as criaturas.
Mesmo para mim, bispo, o essencial não é o exercício do ministério, mas exercê-lo
dentro do espírito de obediência ao Pai, até a morte. Então, os dons que todos
temos devem ser colocados dentro desta luz; caso contrário, nós só perdemos. De
que forma colocar a serviço dos irmãos aqueles dons que vocês têm, em virtude
da experiência do ministério sacerdotal e de suas experiências? Acho que
reuniões como esta deveriam ser mais apoiadas por nós, bispos. Mesmo com
opiniões diferentes – graças a Deus –, vocês devem colocar em comum aquilo que
tem, aquilo que conseguem. A situação de vocês interessa à comunidade eclesial:
vocês poderão ajudar muitas pessoas no exercício ministerial.
Sugiro, portanto: primeiro, uma atitude de confiança, de
abertura total para com o outro, uma atitude de quem sabe escutar. Temos que
superar os infantilismos de quem só quer ouvir aquilo de que gosta, para
descobrir o que o outro quer dizer de fato. Depois, uma atitude de reflexão
serena, tranquila e madura, à luz da fé. Queria partilhar com vocês esta
caminhada. Até o momento, a gente percebe que a questão está muito centrada no
celibato. E pergunto: será que se poderia deslocar o enfoque para além do
celibato?”
Dom Aloísio não ficava apenas em belas palavras,
colocando à disposição os aposentos de sua própria casa para padres que estavam
“deixando o ministério”, a fim de que tivessem um lugar para morar até
estabilizarem sua vida. E mais: enfrentando a pressão do Vaticano, resistiu com
firmeza, evitando a demissão dos “padres casados” que lecionavam no Seminário
da Prainha.
Um pastor como dom Aloísio faz falta mesmo.
(*) Padre casado
Fonte: O Povo, de
23/12/2017. Opinião. p.9.
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