Quisera escrever uma crônica dezembrina, mas sem os
cediços chavões sazonais. Sem neve, renas, ou papai-noel. Sem trenós, apenas
carros–pipa. Não havia avelãs, pinheiros, mas xiquexique e mandacarus. Viera
transformar o agreste em pomar. Recolher facas e distribuir pão. Vinha de
longe... tangendo velhas ovelhas, cavalgando trôpego pangaré. Apresentava
profundos vincos no rosto, quais talhados a golpes de faca. Suara muitos sóis,
irrigando aquele chão gretado. Muitas luas prateavam seus cabelos. Transpirava
o sangue do sofrimento.
No gibão de couro tocos de pão, nacos de fumo, pedaços de
rapadura e resto de farinha, lembravam o estirão percorrido. Lutara contra
seca, aluvião, fome, fauna e flora, enfrentara leões, moinhos de vento,
desafiara a sorte, o amor e a morte. Provara até “um certo contato com a lua”,
evocando o poeta Antônio Girão Barroso. Escapara de areias movediças. Bárbaros
e bérberes. Fora picado pela cobra que criara; indabém que Deus, ao concebê-lo,
vedara-lhe o corpo para os vírus, vícios e venenos da vida.
Peregrinando por ínvias vias, atravessara rios, vadeara
riachos, escalara serras, penedias e noites sem fim. Certa feita, embora
cogitando desistir, descumprir promessas, pedir meças ao homem lá de cima,
pensou mais. Carregando sua cruz, preferiu aguardar o último trem. Esperar, ia.
Acreditava valer a pena, pois tinha a alma grande. Só, carecia de mais
paciência. Tê-la-ia! O tempo não tarda. Alexandre Dumas (1802-1870), aquele do
“Conde de Montecristo”, já dissera estar a sabedoria contida em duas palavras:
paciência e esperança. Sabia que vida é véspera. Aliás, a água da chuva não era
preta como aparentavam as nuvens, repetia o professor Newton Gonçalves, na
Faculdade de Medicina do meu tempo (1958-1963).
Cuidava agora fosse nascer de novo, novamente. Vencidos
os demais perigos da existência, as incertezas das esquinas, o desamor dos
amigos, os desacertos do destino, domadas as dores da consciência, chegava,
afinal. Não soaram sinos à sua chegada, mas balidos de ovelha, e guizos de
cascavel. Bois berravam o contraponto. Não trazia ouro, mas pedaços de mica e
galhos de mirra por incenso.
Contudo, trazia esperança. Viera adorar o divino infante
Jesus, terno, tenro e eterno ramo de fé, para plantarmos no coração e embalar
nos nossos braços cansados. Já vemos uma estrela grande no céu. Chegou a hora
da estrela. Renovemo-nos para o novo Natal. Esperamos que Cristo perdoe nossos
pecados, nossas dúvidas e dívidas, e mande pagar nossos precatórios. Lembrou-se
da volta dos mortos para a consoada (ceia) natalina. Chorou. Aleluia. Feliz
Natal!
(*) Professor Emérito da UFC.
Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, 13/12/2017.
Opinião, p.14.
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