Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O Banheiro
do Papa (El Baño del Papa, 2009) foi um filme uruguaio que assisti, alugado de
uma locadora. Lançado no Brasil em 2007, produzido pelos estúdios Laroux
Cine/Chaya Films, e dirigido por César Charlone e Enrique Fernández, a película
se passa no ano 1998, no povoado de Melo, fronteira entre Brasil e Uruguai.
Aquele burgo
está agitado, correm os boatos de que, em breve, o Papa fará uma visita ao
vilarejo. Neste sentido, espera-se que milhares de pessoas cheguem à cidade, e
a população local se anima, percebendo o futuro evento como uma oportunidade
para comercializar comidas, bebidas, bandeirinhas de papel, souvenirs, medalhas comemorativas, entre
outros produtos. O protagonista Beto (César Trancoso) é um contrabandista que
decide construir um sanitário condigno para a visita do Papa, no qual as
pessoas poderão usar durante o evento. Para tanto, empenha todas as suas
economias, e se endivida na construção de um banheiro mais requintado, contendo
porta, bacia sanitária, descarga e um pedaço de papel higiênico para cada
futuro usuário. No entanto, chega a noite, o Papa não vem, e o povoado fica
ainda mais miserável e sem esperanças.
Lembrei-me
desse filme, ao ler as queixas do Senhor Secretário de Turismo, do Rio de
Janeiro, Antonio Pedro Figueiredo de Melo. Ele declarou que, até o fim da
semana pós-carnavalesca (2009), foram danificados, por gangues de vândalos, 166
banheiros químicos, de um total de 821 instalados pela Prefeitura. Equipamentos
sanitários completamente derrubados, arrasados, destruídos, a maioria sem
portas. Creio que a edilidade não respeitou o aspecto psicossocial dos foliões.
Carnaval é carnaval, é liberação! Afinal, para que servem as portas? Pergunto:
e tudo é permitido no carnaval, mormente neste, em princípio do século XXI?
O povo
resolveu a questão, como de hábito, em plantas, postes, fachadas, bueiros e
outros locais já consagrados. O problema imediato foi resolvido "a céu aberto".
Melhor assim: deu transparência ao povaréu, que nada tem a esconder. Qualquer
cantinho serviu para aliviar uma pessoa "apertada". Principalmente
agora, em tempos de sambas-enredo e nudez escancarada, o que há de tão grave no
fato de o cidadão fazer suas necessidades em plena rua? Quem vai ter vergonha
de urinar em banheiros sem portas ou de portas abertas? Viva a liberdade!
No tempo em
que eu era estudante de Medicina, um estadista norte-americano comentou: "O problema
da América do Sul é a falta de latrinas!" Daí
por diante, a estudantada passou a denominar o nosso continente de América
'Latrina'.
Na verdade,
a grande maioria do povo brasileiro não tem acesso a um banheiro limpo, em
decorrência da falta de saneamento básico. Porém, fazer uso de um banheiro
limpo é um direito, mais ou menos, universal. O Secretário de Turismo,
Figueiredo de Melo, chegou a uma conclusão distinta daquela proferida pela
autoridade norte-americana. Ele declarou, em uma revista de circulação
nacional: "Não adianta ter banheiro se não houver
educação!" E ponto final!
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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