Por jornalista Tarcísio Matos,
de O Povo
A riqueza do liso
Cheguei em meio à conversação inteligente, bem-humorada,
despachada e invocada travada por meus vizinhos por parte de mãe.
- Vizinhos por parte de mãe?
- Sim! A qualidade de vizinho cujo contato primeiro não
foi com papai...
Dona Zika (que teve chikungunya), sempre afobada e
cismada; seu Zeca (teve dengue), mais conciliador e afetuoso. Tema da ora, no
exato minuto em que lhes encontrei na sala, arrotando solenes, sentadinhos em
cadeiras de balanço no pós-almoço de sábado: “A riqueza do liso”.
- Riqueza de liso é chibata nos couros desde o parimento! – anuncia ela.
- Liso é rico de fé, mulher! – argumenta o marido.
- Conversa é essa uma hora dessa, Zeca! Liso é a imagem
do cão!
- Pois disse Jesus: onde estiver o vosso tesouro, ali
estará o vosso coração.
- O liso e o coração dele estão na UTI do hospital!
Me ri de um lado, refleti de outro. E já o colóquio se
distancia da liseira amiga para ver em pauta agora a mania de limpeza dalgumas
criaturas. Mais precisamente, a temática é: “Ambiente limpo é o que menos se
suja”.
Dona Zika, expressiva:
- Joana de Zé Horácio (secretária deles) é tão limpa que
dá noooojo!!!
- Como é que alguém fica ‘emzambuado’ com limpeza, bebê?
- Tem coisa que só presta fedendo. Peixe e as partes que
tu aprecie n’eu, Zeca!
- Pois num se lave não, pra ver se eu ainda te
frequento!!!
Televisor desligado, mas um breve olhar do sujeito para o
aparelho acende na lembrança a roubalheira que a Justiça daqui anda
descobrindo. Assunto em tela: “A cirurgia de Sérgio Moro do caroço do Brasil”.
A palavra é de seu Zeca:
- Nunca vi tanta ‘cabuatagem’ entre amigos. É como diz o
Zé Ramalho: “na tortura toda carne se trai...”
- Nesses tempos de Lava Jato, todo bicho apertado
afrouxa!!!
- Quem tem amigo na Odebrecht não carece de inimigo no
Congresso!
A toada muda de prumo. Palestra, meio que sem querer,
versa sobre traição, chifre, ciúme, mal entendido. Mote dado por seu Zeca: “A
outra na minha vida dele”. É que seu Zeca atende ingênuo o irmão pelo celular:
- Sim, claro! Lógico! Tenho outra!
- Tem outra o que, seu fela?!? – interfere Zika feito siri numa ‘latra’, levantando-se
com as mãos nos quadris.
- Outra gravata, Zika!
– responde o marido, aparelho distante da boca. – Manel meu irmão vai a um batizado e perguntou se eu tinha
uma que emprestasse...
Servido cafezinho para acalmar ânimos - a possibilidade
de rapariga na vida de Zeca tirou a mulher de tempo. Graças ao modo cortês
dele, a conversa logo se endireita. Diálogo trata, nextante, de necessidades
fisiológicas: “As diversas maneiras de dizer ‘vou obrar’”. A irreverente
senhora pede licença.
- Vou ali, negrada, fazer um ‘02’!
- Zero dois?!? –
indagamos simultaneamente eu e seu Zeca.
- Cagar, macho! Cagar!
Pra finalizar, as chuvas bacanas do ano em curso. Tópico
em discussão: “Tô vendo sapo afogado no balseiro!” Zika, de volta, após tossir,
embarca na ideia de seu Zeca:
- É chuva muita, dotô! Seis anos sem um inverno desses...
- Chove tanto que temo acabar a água do céu!
Fonte: O POVO, de 29/04/2017.
Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.8.
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