Por Erasmo Miessa Ruiz (*)
A páscoa traz lembranças da
infância. Lembro-me que ovos de páscoa eram artigos de luxo. Eu tinha tios que
eram de classe média. Aproveitava então para disputar o chocolate com meus
primos maiores já nem tão seduzidos pela doçura da data.
Não sei bem se foi eu que cresci
e os ovos diminuíram de tamanho mas tenho a nítida impressão de que eles eram
gigantescos quando eu tinha seis anos. Quanto a data, para mim não tinha nenhum
significado religioso. Achava estranha aquela história do homem que havia
morrido e depois voltado. Afinal, o que isso tudo tinha a ver com ovos de
chocolate?
O tempo foi passando e então
descobri os simbolismos da páscoa. A história da libertação dos judeus no Egito
do jugo de um faraó tirano, a morte dos filhos primogênitos, a abertura do mar
vermelho reeditada em imagem e som pelo filme “Os 10 Mandamentos” de Cecil B de
Mille até chegarmos ao cristianismo e o renascimento dos mortos de um Jesus
cheio da glória que redimiu os pecados do mundo.
Hoje a sociedade de consumo
chegou à conclusão que aos ovos não bastava a doçura do chocolate. Temos em
casa pequenos ditadores construídos pela televisão que exigem os ovos
associados a brinquedos que, salvo poucas exceções, acabam quebrando nas
primeiras horas de uso. O oceano do consumo parece submergir o simbolismo da
páscoa, tanto na sua perspectiva metafísica religiosa quanto nos aspectos
filosóficos e existenciais que poderiam impactar em nossas vidas.
A mística da páscoa nos fala de
dois homens. O primeiro liderou um povo escravo e oprimido. Mesmo com todas as
adversidades, com a ajuda de um Deus poderoso, foi capaz de libertar milhares
de pessoas que então buscaram uma nova terra para viver, a terra prometida. O
outro homem paradoxalmente foi um Deus que se fez carne, que deixou mensagens
para que pudéssemos a partir de sua prática vivermos bem uns com os outros e
quem sabe até ganhar a recompensa de uma vida que nunca termina. Mas era
necessário que ele fosse sacrificado por todas as nossas faltas para, três dias
depois, voltar do mundo dos mortos. Para os cristãos, a Páscoa é a potência da
vida que supera a morte.
Mario Quintana em uma de suas
célebres frases define o milagre: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…nem mudar água pura em vinho
tinto…milagre é acreditarem nisso tudo!”. Para mim a mensagem da páscoa é
clara! Se a maioria das pessoas acredita que um mar foi aberto para que
milhares fugissem da morte ou que um homem depois de morto foi ressuscitado nos
trazendo a promessa que o mesmo pode acontecer conosco, por que não podemos
então acreditar na capacidade de tornar essa existência melhor para nós mesmos
e a humanidade?
Ou tornando as coisas mais
simples, se eu acredito no milagre da pascoa, não posso acreditar em algo mais
fácil de ser realizado? Quem sabe aprender violão? Ou então dizer um ”eu te
amo” represado a tanto tempo?
Independente de termos crença ou
não na mística da páscoa, que esse momento possa nos inspirar a produzir as
transformações necessárias às nossas vidas e num mundo onde 3,6 bilhões de
pessoas não têm acesso a saneamento básico, onde milhões de pessoas são
assoladas pela fome e mesmo aqueles que tem acesso facilitado a bens materiais
estão em parte excluídos dos bens culturais da humanidade.
Assim, Feliz Páscoa! Que a
doçura do chocolate possa nos lembrar da necessidade de existências mais
felizes e que os ecos de liberdade e transformação nos lembrem que existe muito
para ser feito, tanto de nossas vidas quando da vida de todos os homens.
(*) Psicólogo.
Professor da Universidade Estadual do Ceará. Diretor da Editora da Uece.
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