sexta-feira, 19 de julho de 2019

O TÉDIO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Pouquíssimos são as disciplinas que falam, estudam e pesquisam o tédio, conhecido também como fastio, marasmo, desalento, moleza, apatia, lassidão, indiferença, letargia, rancor, acedia.
O mundo hoje está entrando numa fase em que a gravação de um evento é maior, mais importante do que o evento em si. O vídeo, o som estéreo, a internet móvel, os controles remotos, as roupas de jogging, as máquinas de ginástica, sugerem que vão deixar o corpo sarado para reviver o próprio passado ou simplesmente à repetição. Os botões play podem ser comparados aos êmbolos das seringas de heroína. Tudo para fugir do tédio.
Pode-se trocar de emprego, de casa, de companhia, de país, de clima ou pode-se dedicar à promiscuidade, ao álcool, às viagens, às aulas de culinária, às drogas ou até à psicanálise.
Não importa o que se fizer, a neuroses e a depressão vão entrar no vocabulário cotidiano. Comprimidos passarão a frequentar as gavetas. Acaba-se fazendo da própria vida uma busca constante por alternativas como mudar de emprego, de casamento, de casa, de clima, desde que se tenha, para isso, condições econômicas.
A viagem é grande, não é pequena, mas não tem volta, portanto encontre conforto na ideia de que, por maior que seja a falta de sabor desta ou daquela situação, ela será apenas uma estação, nunca um ponto final. Nunca estaremos parados.
As paixões fazem menos mal que o tédio, pois elas tendem a diminuir o tédio, que aumenta com o passar do tempo. Sabe qual é a minha preocupação maior?
É matar o tédio.
Quem prestasse este serviço à humanidade seria o verdadeiro destruidor de monstros disse o pintor e escritor Eugène Fromentin (1820-1876). Neste mundo, a única coisa horrível é o tédio. Eis o único pecado para o qual não há perdão dizia Oscar Wilde (1854-1900). O tédio pode ser compreendido como a incapacidade de realizar atividades que proporcionem satisfação. O tédio é um sentimento que todos nós já sentimos ou iremos sentir. “Um dia a monotonia tomou conta de mim”.
E em alguns casos o tédio pode ser destrutivo e levar à ansiedade generalizada, depressão ou ao abuso de álcool e de drogas, mas, felizmente, às vezes, o tédio pode, ao contrário, servir de impulso para processos criativos.
Mas não se esqueçam de que ele – o tédio – é um problema capital, pois pelo menos a metade das perversidades da humanidade são causados pelo medo de nele cair.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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