Tá ruim p'a póbi!
Fazia tempo que eu não chorava daquele tantão. A
causa, a comovente história de um liso na forma da lei. Coisa de póbi - pobre,
pronunciado com pesar, profundo sentimento de piedade. Por que das lágrimas, de
sangrar o Castanhão? O desabafo do Jair, tudo porque lhe cortaram a luz de
casa, roubaram-lhe o carrinho de mão e sumiu da cômoda o dinheiro pro remédio
da papeira que desceu. Tadinho do Poeta. Vou ajudá-lo botando dois pontos na
rifa dum sabonete dele.
E também dando publicidade à cruz que carrega, o
que pensa da liseira insustentável do ser. "Oxalá meu desabafo apiede
algum coração generoso. E o camarada caia com pelo menos o do bulim". A
carta do Jair é extensa, mas pincei os melhores momentos, por tópicos.
"Sabe lá um acadêmico resolve estudar meu 'case malogroso' e, com base nos
postulados, role teoria macroeconômica ganhadora de Nobel", avalia o liso
crônico. Confiram o que está na bacia das almas do Poeta querido.
Póbi é a imagem do cão!
- É que nem lombriga - quando sai da merda, morre;
basta melhorar financeiramente uma coisinha e aí perde o melhor da vida: bate a
caçoleta, roubam a mulher dele, fica torto prum banda, deixa de gostar das
coisas. Liso é bicho sem futuro.
Fala, pobreza!
- Todo póbi na forma da lei pode se considerar um
ismoléu (esmoler dos ricos). A pobreza é o pobre em si. Como diria Nelson,
trabalhar p'a póbi é pedir esmola pra dois. Pobretão, liso todo, sou uma ponta
de cigarro, tipo que, puxando a cachorrinha, fará Jó chorar feito um condenado.
Televisão de póbi é forno microondas
- Adentre ao recinto do liso e sinta o aroma da
lavanda da necessidade. Cachorro de póbi não morre atropelado na Treze de Maio,
mas envenenado com "pozim de vrido". Brinquedo de pobre é rói-rói e
cangapé. Televizinha - também conhecida por televisagem - é a Semp Toshiba do
lascado.
Salgando o morto
- À guisa de ilustração, relembro anedota de
Sobral em que o eleitor pediu ao então prefeito Zé Prado dinheiro pro caixão do
pai que acabara de falecer. O dito gestor prometeu a grana, mas pra dali a dois
dias. O póbi homem redarguiu: "Pois meu senhor, ao menos me dê um real pra
comprar de sal, que é mode eu salgar o morto!"
Eu tribufu: póbi e maltrapilho
- Do ponto de vista coisológico, o póbi é um
Zebedêu - Horácio, arruinado, caeba, transformado num carne de tetéu -
imprestável. A liseira é tanta que até a voz fica fina. Um condenado, infeliz
das costa oca. Traduzindo: sou hoje um fí duma égua, um fela. Nem na hora do
póbi eu vou mais a estádio. Vivo com o caneco na ratuêra, num coqueiro medonho.
Pense num liliu! Liso, leso e lôco, na lona, na pindaíba, naquela base, numa
tinideira horrível...
Dinheiro pouco eu tenho muito
- Resta ao póbi morrer igual à mãe de São Pedro -
sozinho. E dizer para alguém mais distiorado que ele: você é meu e o boi não
lambe.
E aí, pebado, quengado, à moda as histórias de
"Pedro 100 - ontem teve, hoje não tem", Jair pediu a bicicleta do
vizinho emprestada e foi à casa de um amigo. Ao vê-lo na Caloi zero bala que
nem dele era, sabe o que o amigo falou ao Poeta?
- É, Jair, te conheci mais pobre!
Fonte: O POVO, de 21/03/2019.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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