Por Pe. Eugênio
Pacelli SJ
(*)
De repente tudo
mudou! Um vírus invisível colocou parte do mundo em isolamento. O vírus fez da
quaresma uma quarentena. Tal realidade me fez lembrar a obra do português José
Saramago: Ensaio sobre a cegueira, que retrata uma cidade inteira que fica cega
e as pessoas ficam enclausuradas. Uma metáfora de uma sociedade que em
momentos, de perigo e angústia, mostra suas luzes e escuridões. A pandemia
mostra o pior e o melhor da sociedade.
Nem todos têm
esse hábito de recolhimento e solidão. Mas, é necessário recuperar a sabedoria
e o gosto de estar em casa consigo e com os outros. Cuidar do emocional, manter
e alimentar a fé, olhar para dentro e corrigir atitudes, sentimentos e
comportamentos. Em meio à rotina, manter a calma, pois o medo é mal mais
terrível que a própria doença. Reencontrar o caminho para si mesmo é saudável.
Viver a
Quaresma em quarentena dando oportunidade de repensar ações e modos de estar no
mundo. Desintoxicar do ritmo frenético de atividades, da sede de produtividade
e consumo. Gostar de estar consigo mesmo. Refazer laços e contatos, já
esquecidos, conversas em família e a escuta atenta do outro.
Iluminar, olhar
sob a ótica pela fé é acreditar que esta situação não encerra apenas temores,
mas possibilidades singulares. Possibilidade de viver a pura alegria do dom e
do agradecimento. Aprofundar e alimentar a fé na presença de Deus em
"noites escuras", descobrindo suas pegadas nas vítimas desta
pandemia, nos médicos e agentes de saúde que os atendem, nos cientistas que
buscam vacinas antivírus, em todos os que nestes dias colaboram na solução do
problema, nos que rezam pelos demais e espalham esperança. Deus necessita de
cada um de nós, para se revelar, portanto, que nossa solidariedade seja mais
forte que o egoísmo que, às vezes, nos habita. Na dor e na calamidade coletiva
sentimos que somos menos desiguais do que pensamos. A pandemia não tem
ideologia, raça, credo e sexo. Que nossa solidariedade seja mais contagiante
que o vírus. Que as forças reconstrutoras, renováveis, resilientes que
possuímos dentro de nós, em situações assim, desabrochem.
(*) Sacerdote
jesuíta e mestre em Teologia.
Fonte: O Povo, 4 de abril de 2020.
Opinião. p.12.
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