quinta-feira, 16 de julho de 2020

SAUDADES DAS CARPIDEIRAS


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
…A carpideira tinha como parte do seu trabalho levar os parentes do morto a abrirem o berreiro para realizar a catarse do luto. Sabiam como contaminar a plateia dos parentes, dos aderentes e dos presentes no velório com uma exibição ostensiva de pesar, que incluía gemidos altos, batidas nos peitos expostos, sujando o corpo com poeira e de cabelos despenteados; todos os sinais de comportamento descontrolado, o distúrbio da tristeza…
Atribui-se ao ditador soviético Josef Stalin (1878-1953), a frase: A morte de um homem é uma tragédia, mas a morte de 100 pessoa passa a ser uma estatística. É o que está acontecendo com a pandemia causada pelo COVID 19, quando no velório é permitida a presença de apenas dez pessoas, por medo da contaminação.
Em cidades do interior quando morria alguém a notícia era anunciada pelo carro de som. Agora, quando alguma pessoa morre nem velório – nem choro – nem vela. O coronavírus acabou com o ritual dos enterros.
Nem o homem do caixão da funerária tem a oportunidade de pegar o defunto e dizer: coitado, descansou. Acabou-se o funeral, espetáculo com o qual atestamos nossos respeitos pelo morto, sem falar no direito das carpideiras. Carpideira, para quem não sabe, é uma profissional feminina cuja função consiste em chorar por um defunto alheio.
A profissão de carpideira existe há mais de 2 mil anos. As carpideiras e seus choros foram citados no idioma ugarítico, precursor do hebraico e do árabe e que serviu de base para muitas das línguas faladas no Oriente Médio. A deferência aos mortos é tradição em todas as culturas conhecidas e estudadas até hoje e o respeito aos mortos é extensivo à família enlutada. Lembro: as carpideiras existem em todo o planeta. Até os índios tem o “Quarup” onde as carpideiras dão início ao choro ritual, que só termina com o raiar do sol.
A carpideira tinha como parte do seu trabalho levar os parentes do morto a abrirem o berreiro para realizar a catarse do luto. Sabiam como contaminar a plateia dos parentes, dos aderentes e dos presentes no velório com uma exibição ostensiva de pesar, que incluía gemidos altos, batidas nos peitos expostos, sujando o corpo com poeira e de cabelos despenteados; todos os sinais de comportamento descontrolado, o distúrbio da tristeza.
Agora, até as carpideiras ficaram desempregadas por causa da quarentena deste século XXI, pois poderiam se contaminar ou contaminar os outros pelo Coronavírus19.
Particularmente gosto muito delas, mas as coitadinhas ficaram desempregadas. Que falta fazem!
Apelo: acabem logo com esse isolamento para que, pelo menos no interior do Nordeste, as carpideiras voltem a trabalhar e os atestados de óbito para enterrar um morto, seja lá de que doença ou acidente tenha morrido, têm de mencionar o Coronavírus 19 para o defunto ser enterrado. É bom lembrar que os enlutados vão ter de usar máscaras e álcool em gel. Confesso, tenho saudade dos velórios sem máscaras e com as carpideiras e seus cantos chorosos.
Por favor lembrem-se de que as carpideiras e seus choros foram citados no idioma ugarítico, precursor do hebraico e do árabe e que formou a base para muitas das línguas faladas no Oriente Médio. A deferência aos mortos é tradição em todas as culturas conhecidas e estudadas – até hoje – e o respeito aos mortos é extensivo à família enlutada. Lembro: as carpideiras existem em todo o planeta. Até os índios têm o “Quarup” onde as carpideiras dão início ao choro ritual, que só termina com o raiar do sol.
Velório sem carpideira não é velório.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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