O AVC isquêmico de mamãe
Dona
Teresinha na UTI parecia de férias nas ilhas gregas. Pra começo de conversa:
"Ô lugar lindo, esse aqui! Pudesse, passava mais tempo!" - dizia às
colegas na visita vespertina.
- Fale com o médico, mamãe! De repente ele...
- Já falei! Quando, passou ontem aqui, eu pedi um golinho do café
dele...
- O quê, mamãe?
- Inda dei uma mordida na tora de bolo. No sábado, se rolar um suco de
manga...
Descobri
que o que encantava minha espirituosa genitora naquele complexo ambiente
hospitalar era gente pra conversar, comida da melhor qualidade e diferente,
atenção de todos (médicos, enfermeiras, fisioterapeuta).
- E o ar-condicionado, no ponto!
- Melhor que o ventilador véi de só duas palhetas da sua casa. Concordo!
- Médico aqui dá no meio da canela. Falei do mal, prepare o pau. Taí um
chegando!
Clínico
se aproxima já fazendo festa. Converseiro medonho com mamãe, que dá o rumo da
prosa, tentando conquistar a confiança.
- Dotô, o senhor parece com meu marido quando servia no tiro de guerra.
- É mesmo, dona Teresinha? - admira-se o médico.
- É... Tadinho dele! Mais de uma semana e eu aqui!
- Saudade do love também adoece!
- É falta das enroladas que eu faço com o bichim, mesmo!
- Enroladas?
- Ele me pede a latinha de detefon pra matar formiga e, como não
comprei, boto goma dentro e entrego...
- Dona Teresinha, estou passado!
- Outro dia, pediu chophytol pro fígado e eu botei um caroço de feijão
preto na mão e empurrei-lhe goela abaixo.
Papo
bacana, mas é hora de o doutor mostrar os exames e dizer o que tinha levado
dona Teresinha a internar-se na emergência do hospital, após a queda que levou
no cemitério ao pisar em falso num formigueiro.
- A senhora teve um AVC
isquêmico.
Mamãe
se ri, como se nenhuma novidade houvesse na notícia.
- Eu sabia! Mas confesso, dotô: tá com uma semana que eu não bebo
cerveja.
- Negócio é mais sério, dona
Teresinha. A senhora teve um AVC isquêmico!
- Eu sabia, eu sabia!
- Sem ver a ressonância,
impossível saber.
- Doutor, eu sou uma mulher cheia de "isquema"!!!
Pela hóstia!
Por
falar nos "isquemas" de mãe, domingo ela saiu de casa morrendo de
sede direto pra missa, não queria se atrasar. Pacientemente esperou a comunhão.
Foi pra fila e aguardou o padre dar-lhe a hóstia. Mãe bateu o olho pro
sacristão e, meio que cochichando...
- Me dê um copo d'água, meu fí! Senão a hóstia num desce.
Inesquecível
amnésia
Mamãe
pede ao Tonho, meu irmão caçula, que, no mercantil com ela, não esquecesse de
lembrar da caixa de fósforo, do pano de coar café, dos dois quilos de farinha e
do pote de margarina vegetal. Meu irmão, já se desculpando, caso esquecesse de
algo...
- Ô mãe! Peça essas coisas não, eu sou muito inesquecível!
Fonte: O POVO, de 7/02/2020.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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