Por Pe. Ermanno Allegri (*)
O que leva uma adolescente a querer abraçar, hoje, uma
profissão de alto risco? Ela vê a vizinha sair cedo para o hospital e voltar à
noite cansada. A jovem fica uns minutos falando do medo daquela profissional
ser infectada ou de levar a doença para casa; da falta de condições para o
atendimento; conta do estresse dela por assistir impotente às mortes diárias,
mas, ao mesmo tempo, ressalta a felicidade profunda em ver os infectados
voltarem para suas famílias.
Cerca de oito mil dos 160.000 mortos pela pandemia no Brasil eram
funcionários da saúde. Uma categoria massacrada pelo Covid-19. Como fazem falta
os 10.000 médicos cubanos chutados pela crueldade do governo.
Penso nas palavras de Jesus: "Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida
pelos irmãos".
Então, os profissionais da saúde são verdadeiros santos e mártires. Nessa
pandemia, com os templos fechados, eles celebraram milhares de missas, dia e
noite, lá nos hospitais. Fora dos espaços religiosos, acontece o lava-pés de
Cristo.
Nesse contexto trágico, Francisco abre a porta à esperança. Na encíclica
Fratelli Tutti (Nº 54) escreve: "Apesar das sombras densas, Deus continua a espalhar
sementes de bem na humanidade. A recente epidemia permitiu valorizar tantos
companheiros e companheiras de viagem que doaram a própria vida (...): médicos,
enfermeiros e enfermeiras, farmacêuticos, empregados dos supermercados, pessoal
de limpeza, cuidadores, transportadores, homens e mulheres que trabalham para
fornecer serviços essenciais e de segurança, voluntários, sacerdotes,
religiosas... compreenderam que ninguém se salva sozinho."
E despertou os poderosos: 92 super-ricos de sete países, intitulados de
"milionários
pela humanidade",
publicaram uma carta aberta em 13 de junho pedindo que suas fortunas sejam
taxadas para os governos investirem no combate à Covid-19 e que essa cobrança
se torne permanente. "A humanidade é mais importante do que o nosso dinheiro", escreveram. Importante
ressaltar: Não há nenhum dos 200.000 milionários brasileiros entre os
signatários.
Hoje, é necessário construir centenas de escolas e cursos universitários
para repor a falta de profissionais para restaurar o estrago que o governo fez
na área da saúde. Mas há verba para isso? Há sim, de sobra. Os milionários
brasileiros deveriam procurar seus colegas e assinar a carta.
E nós, pais, mães, educadores, comunidades temos a coragem de lançar para
os jovens o desafio de descobrir dentro de si o que há de melhor para orientar
seu futuro profissional, seu papel social, tanto como atividade de
subsistência, quanto de doação aos excluídos e abandonados? Essa é a revolução
espiritual necessária; espiritual não só como algo religioso, mas como vivência
do amor, da compaixão, da bondade, da capacidade de lidar com o novo que
acontece e saber seu lugar na sociedade, na casa comum planetária.
Sairemos melhores ou piores desta pandemia? A fraternidade da carta de
Francisco diz que é preciso salvar o ser humano enquanto ser humano, com
liberdade e audácia para provocar resistência; assim como insurgência moral e
espiritual frente à irracionalidade e a truculência do capital e seus governos.
Com essa formação, será fácil escolher ser enfermeira.
(*) Padre diocesano, coadjutor na paróquia
da Tabuba, Caucaia, e do Movimento Igreja em Saída.
Fonte: O Povo, de 13/11/2020.
Opinião. p.19.
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