Corria
o ano de 1944,
Muitos
acadêmicos de Medicina estavam engajados no Centro de Preparação de Oficiais da
Reserva (CPOR), dentre eles um conterrâneo cearense, que era aluno mais
adiantado, já prestes a se graduar na Faculdade de Medicina do Recife. Esse
colega, um estudante brilhante, por sinal, há tempos mantinha um
desentendimento com um capitão-médico, seu superior, que, por ter limitados
conhecimentos médicos, guardava um certo despeito do futuro colega
“cabeça-chata”, o qual, por sua vez, era implacável com o beócio militar.
Numa
oportunidade, aconteceu um sério entrevero no refeitório da guarnição do CPOR,
quando foi oferecida, no cardápio, uma carne com fortes indícios de
deterioração. Houve um clamor geral dos aspirantes a oficial, em franco
protesto contra a comida ali servida.
O
dito capitão-médico, abusando de sua autoridade, diante do protesto coletivo,
ameaçou a todos:
– Vocês vão ter que comer
tudo.
– Mas, capitão, a comida
está estragada
– insistiram os
aspirantes.
– Não aceito recusas e não
pode ter restos nos pratos – retrucou o prepotente oficial.
– A carne exala um mau cheiro; está
horrível, capitão –
ponderou outro aspirante.
– Não me interessa e pronto:
esse é o “rango” que vocês bem merecem.
– Capitão, o senhor, como
médico, sabe bem que isso pode nos causar transtornos intestinais – argumentou o
conterrâneo e quase médico cearense.
– Você acertou! Disse bem:
sou médico formado, enquanto você não passa de um acadêmico.
– Isso está errado, nós
somos aspirantes
– reclamou um colega
paraibano.
– Aspirantes ou “samangos”,
para mim, é tudo igual, não passam de meros recrutas inservíveis.
– Não vamos comer nada,
capitão
– falou um baixinho
invocado, um filho da Zona da Mata pernambucana.
– Se não comerem agora,
determinarei a detenção coletiva no quartel – explodiu o capitão.
Nesse momento, o acadêmico do Ceará, que vinha até então
controlando o seu ímpeto adrenérgico, em parte contido por seus colegas de
farda, um jovem de compleição, que parecia com Henrique VIII, mais largo do que
alto, aproxima-se do capitão-médico, e aplica-lhe um vigoroso bofete. Em
consequência do golpe, o capitão foi ao chão, ficando desfalecido, e somente
depois de quase meia-hora despertou do desmaio.
O caso gerou um pandemônio na caserna, e a subsequente prisão, em
solitária, uma vez que o episódio foi considerado uma insubordinação de extrema
gravidade. Por ocorrer em um conturbado período belicoso, o alto comando
militar sediado no Recife decidiu levar o impetuoso cearense à Corte Marcial,
de imprevisível veredicto.
A mobilização dos docentes e dos discentes da Faculdade de Medicina
do Recife somente conseguiu livrar o impulsivo acadêmico por meio de um
atestado de loucura. O “doido” em tela tornou-se um exímio médico e um dos mais
aguerridos professores da nossa UFC.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames-Ceará
* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Meia-volta, volver! Médicos
contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2014. 112p. p.65-67.
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